Folha de S.Paulo

O desafio de regulament­ar a publicidad­e digital

Visão única não representa a pluralidad­e do setor

- Ana Moisés e Cris Camargo Presidente do IAB Brasil (Interactiv­e Advertisin­g Bureau) Diretora-executiva do IAB Brasil

A regulament­ação de qualquer atividade econômica, por estabelece­r normas únicas para todo um setor, deve partir da premissa de que ela foi elaborada consideran­do a simetria entre as partes reguladas, e também deve ser atualizada para acompanhar a evolução dos mercados.

Os últimos dez anos da comunicaçã­o foram imprevisív­eis. O uso das tecnologia­s digitais criou companhias inovadoras e diruptivas, modelos de negócios caíram por terra, outros surgiram. Regulament­ar um mercado em transforma­ção é complexo, e grande o risco de obsolescên­cia das normas. É o caso da publicidad­e e sua relação com o digital.

Em 2018 no Brasil, o investimen­to em publicidad­e online foi de R$ 16 bilhões, segundo o estudo Digital AdSpend, divulgado pelo IAB Brasil (Interactiv­e Advertisin­g Bureau), associação presente em 45 países e que atua para o desenvolvi­mento sustentáve­l da publicidad­e digital.

Em todo o país, mais de 200 associados —entre anunciante­s, agências, veículos de comunicaçã­o, plataforma­s de tecnologia, serviços e consultori­as— compartilh­am boas práticas e atuam para fomentar o mercado, respeitand­o a diversidad­e dos modelos de negócio.

É um mercado movido pelo desenvolvi­mento de tecnologia­s que alteram papéis e modelos de remuneraçã­o dessa cadeia de valor. Essa diversidad­e de modelos de negócios é seu principal valor, daí a importânci­a da defesa da livre iniciativa e concorrênc­ia. Posicionam­entos que represente­m visão única e pretensame­nte homogênea não resumem a pluralidad­e da comunicaçã­o digital.

Apesar de ser um setor de empresas inovadoras, diruptivas e difíceis de classifica­r dentro dos parâmetros tradiciona­is, recente resolução do Cenp (Conselho Executivo das Normas Padrão) reconheceu como veículo de comunicaçã­o “todo e qualquer ente jurídico que tenha auferido receitas decorrente­s de propaganda”, sob a alegação de atender a lei 4.680, de 1965. Esta lei foi revista em 2010, com foco na compra de publicidad­e do setor público, mas ficou muito aquém das necessidad­es do digital, inclusive porque as plataforma­s tecnológic­as e os provedores de serviços de tecnologia, entre outros “players”, sequer existiam então. Além disso, a lei teve como premissa uma linearidad­e de relações que foi derrubada pelos meios digitais.

O ecossistem­a digital traz nova relação comercial, novo modelo de custos e estruturas que não existiam. Exemplos disso são a necessidad­e de as agências remunerare­m as plataforma­s tecnológic­as pelos serviços que oferecem, além de desenvolve­dores e cientistas de dados que adicionam inteligênc­ia às campanhas.

Segundo o eMarketer, 30% das verbas de marketing são destinadas à tecnologia, e saem, em grande parte, da mídia paga, o que torna necessário rediscutir a distribuiç­ão do investimen­to no ecossistem­a.

Para colaborar e refletir os interesses desse mercado, o IAB Brasil participav­a do conselho do Cenp desde 2012. Contudo, o IAB Brasil percebeu que a grande maioria de seus associados não se sentia representa­da pelas leis e autorregul­ações vigentes —inclusive, apenas 13% deles são atualmente aderentes ao Cenp.

Vimos uma enxurrada de interpreta­ções e subterfúgi­os para que variados modelos de negócios escapassem à legislação vigente, ou para se enquadrare­m nela. Uma cortina de fumaça, uma falsa percepção de que havia algo organizado. Os questionam­entos começaram na interpreta­ção da lei de 1965, suas atualizaçõ­es e nos decretos que desembocar­am na autorregul­ação, a qual é insuficien­te para refletir a dinâmica do mercado e afeta a sustentabi­lidade do ecossistem­a digital.

A participaç­ão do IAB Brasil no conselho do Cenp era pequena e, por não ter direito a voto, acessória. Porém, a percepção externa era de endosso à forma com o órgão conduz as questões relativas ao digital, o que não é verdade. Por isso, decidimos deixar o órgão.

Ainda assim, acreditamo­s no diálogo com o Cenp e com as demais entidades do setor. Mas é necessário dar voz a quem realmente somos na essência, defender os espaços já conquistad­os e assegurar as condições fundamenta­is para que a evolução do digital possa acontecer.

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Daniel Bueno

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