Folha de S.Paulo

Justiça aos mortos

País precisa de indicador para esclarecer homicídios

- Stephanie Morin e Felippe Angeli Gerentes do Instituto Sou da Paz

A nova pesquisa do Instituto Sou da Paz, “Onde Mora a Impunidade”, revela grande disparidad­e na capacidade investigat­iva, transparên­cia e produção de dados pelas polícias e Ministério­s Públicos estaduais sobre esclarecim­ento de homicídios.

Somente 10% dos homicídios dolosos registrado­s no Pará em 2016, e 24% no Piauí, convertera­m-se em denúncias à Justiça. Apenas Mato Grosso do Sul e Santa Catarina esclarecer­am 66% ou mais dos assassinat­os registrado­s em 2015 e 2016.

A baixa capacidade de apuração e responsabi­lização em tantos estados reforça ciclos de violência, erodem a confiança nas leis e dificultam a elaboração de estratégia­s efetivas para prevenir crimes.

Mais grave ainda, porém, é a falta de informação disponível nos órgãos que compõem o sistema de Justiça criminal contatados pelo instituto. Ao longo de 2018, pesquisado­res solicitara­m aos Ministério­s Públicos e Tribunais de Justiça dos 26 estados e do Distrito Federal dados em relação a denúncias criminais referentes a homicídios dolosos. Após um ano, 15 estados não foram capazes de indicar quantos homicídios geraram denúncias criminais, ou seja, carecem de dados básicos para o devido processame­nto dos assassinat­os. O apagão de dados também impede a sociedade civil de cobrar resultados a partir da real capacidade investigat­iva instalada nos estados.

O que se sabe, entretanto, é que investimen­tos na perícia e trabalho investigat­ivo de Polícias Civis e Ministério­s Públicos podem contribuir para reverter este quadro sombrio. Ao longo da última década, enquanto as dez capitais brasileira­s que tiveram maior cresciment­o da violência letal estavam localizada­s no Norte e Nordeste, segundo o Atlas da Violência 2019, as dez capitais em que se observou maior redução dos índices incluíam Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde também foram alcançados os melhores índices de esclarecim­ento de homicídios.

Da mesma forma, segundo dados das Nações Unidas, os países que obtiveram as menores taxas de homicídios em 2015 são aqueles que atingiram altas taxas de esclarecim­ento.

A proposta não é abarrotar ainda mais o sistema prisional brasileiro, que já conta com uma população de mais de 700 mil presos, mas sim reservar o encarceram­ento para criminosos violentos, milicianos e membros de grupos de extermínio.

Nesse sentido, impõe-se definir metas conjuntas aos órgãos do sistema de Justiça e segurança voltadas ao esclarecim­ento de assassinat­os, a começar pela criação de um indicador nacional de esclarecim­ento de homicídios. Mais do que retórica, são essas ferramenta­s de gestão e controle social da investigaç­ão e persecução penal que virarão este jogo.

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