Violência policial e desmate crescem na esteira de declarações de Bolsonaro
Especialistas veem estímulo a efeito ‘guarda da esquina’, mas aliados do presidente negam relação
O aumento no número de pessoas mortas por policiais, os frequentes episódios de excesso por parte das forças de segurança e o avanço do desmatamento na Amazônia têm ocorrido na esteira de declarações agressivas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) nessas áreas.
Uma consequência é que o chamado “efeito guarda da esquina”, que entrou para o vocabulário político após a edição do AI-5, voltou a frequentar o debate público.
A imagem resgata um episódio atribuído ao então vicepresidente Pedro Aleixo, que, ao se recusar a assinar o ato em 1968, teria dito que o problema nem era o então presidente Costa e Silva, mas sim o guarda da esquina.
Em outras palavras, o discurso oficial relativizando ações violentas de agentes de segurança, atacando multas do Ibama e dizendo que são falsos os dados de desmatamento acabaria tendo um efeito prático na ponta.
Exemplos têm sido constantes. O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço no estado de São Paulo cresceu 11,5% no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período no ano passado. No Rio, até junho, a polícia foi responsável por 29% das mortes violentas no estado, um recorde.
Também há casos de exagero na abordagem policial. Em SP, no domingo (4), um torcedor do Corinthians foi retirado da arquibancada pela polícia após xingar Bolsonaro.
Em Manaus, o Ministério Público Federal arquivou investigação sobre policiais rodoviários que interromperam uma reunião em 23 de julho. No encontro, integrantes de movimentos sociais planejavam um protesto contra a visita de Bolsonaro à cidade.
Segundo a Procuradoria, os agentes rodoviários, que portavam armas longas no momento da ocorrência, “agiram no estrito cumprimento do dever legal”.
Na área ambiental, o desmatamento cresce de forma expressiva. Na Amazônia, houve um salto de 278% no mês de julho em relação ao mesmo período de 2018, segundo sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No cerrado, a alta foi de 26%.
Para o historiador Boris Fausto, o poder de persuasão das autoridades sobre a sociedade é muito forte no Brasil. “Isso é uma coisa que filtra lá de cima e se torna um clima que perpassa a sociedade. Estamos vendo em toda parte, tanto em episódios pontuais como outros mais grotescos, como o fuzilamento de um carro por militares do Exército no Rio [em abril]”, diz.
Segundo Fausto, a figura do guarda da esquina é tão forte que virou algo corriqueiro no país. “Entrou tanto na nossa gíria que ninguém precisa mais explicar.”
As ações arbitrárias, para Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, se relacionam a um fenômeno de ideologização das polícias que vem se intensificando desde as eleições.
“As polícias, especialmente a militar, estão contaminadas com a ideologia bolsonarista. A polícia tem que ser neutra porque tem que tratar todos da mesma maneira”, disse.
Ele diz ver, por parte das secretarias de Segurança Pública e dos comandos das polícias, pouca disposição em coibir abusos. Também relaciona o discurso bolsonarista ao aumento na letalidade policial.
Em São Paulo, por exemplo, o índice voltou a crescer após queda em 2018. “O clima mudou. Quando o policial começa a ver que o país está querendo isso [violência policial], que o governo está incentivando, ele, na ponta da linha, se sente autorizado”, diz Alcadipani.
No campo, ativistas da reforma agrária e de direitos indígenas veem com preocupação a possível influência de declarações de Bolsonaro no acirramento de conflitos.
O presidente já afirmou que não demarcará novos assentamentos e que pretende legalizar a exploração de minério em território indígena. Em abril, prometeu dar salvoconduto ao proprietário rural que atirasse em quem invadisse suas terras.
Neste ano, segundo a Comissão Pastoral da Terra, houve 17 assassinatos motivados por conflitos no campo, 16 deles na Amazônia —de janeiro a julho de 2018, foram 18 mortes, 16 na região amazônica.
“O número de assassinatos continua com concentração na área amazônica, onde Bolsonaro tem falado em legalizar o garimpo. Os invasores receberam sinal verde e fazem o que bem querem”, diz Jeane Bellini, da CPT.
Para ela, Bolsonaro incentiva a violência, a invasão ilegal e o desmatamento. “Ele está sugerindo que as leis que estão em vigor há 30 anos devem ser relativizadas. Estamos na relativização da institucionalidade democrática”, diz.
Como mostrou a Folha ,o número de multas aplicadas pelo Ibama por crimes ambientais no primeiro bimestre de 2019 foi a menor para o período desde 1995.
Militantes e políticos próximos a Bolsonaro afirmam que não é possível fazer uma relação direta entre as palavras do presidente e esses eventos.
Ativista pró-liberação de armas, Benê Barbosa afirma que não há dados suficientes para se afirmar que há um novo padrão em eventuais excessos da polícia. “A gente ainda tem poucos casos para fazer uma análise aprofundada. Temos que olhar para o passado e ver se coisas assim nunca aconteceram”, diz ele, que comanda o Movimento Viva Brasil.
Segundo Barbosa, era previsível que a esquerda fizesse uma trincheira política. “Eles sempre vão jogar essa mudança de paradigmas no colo de um suposto efeito Bolsonaro.”
Deputado estadual, Frederico D’Ávila (PSL-SP) afirma que dados de desmatamento vêm sendo exagerados por ONGs e ambientalistas. “Nem se você colocar toda a frota de tratores que existe no Brasil empurrando mato 24 horas por dia não dá para desmatar tudo que eles divulgam”, declara.
Para ele, servidores do Ibama, ao atribuírem a responsabilidade a Bolsonaro, fazem terrorismo ambiental.