Folha de S.Paulo

Johnson ignora alertas, e risco de ‘brexit duro’ cresce

Parlamento britânico já articula votar moção contra premiê na volta do recesso

- Lucas Neves

A frequência quase diária de alertas sobre os efeitos de uma saída britânica da União Europeia (UE) sem acordo não vem inibindo a escalada retórica do recém-empossado governo de Boris Johnson.

A promessa de campanha do agora premiê era tirar seu país do bloco até 31 de outubro, “sem ‘se’ ou ‘porém’”.

Variações do slogan, como “sairemos independen­temente das circunstân­cias”, têm sido repetidas por assessores e ministros para confrontar líderes europeus e tentar arrancar mudanças no pacto firmado pela antecessor­a de Johnson, Theresa May —e rejeitado três vezes pelo Parlamento.

Na quarta (7), o diretor da Federação de Alimentos e Bebidas do Reino Unido disse que um “no deal” (separação não pactuada) seria “desastroso”, pois provocaria escassez súbita (e até aleatória) de artigos transporta­dos em caminhões retidos na fronteira.

A penúria poderia se estender por semanas ou mesmo meses, ele salientou.

Também na quarta, o diretor-assistente da Scotland Yard afirmou que um desligamen­to abrupto da UE deixaria o Reino Unido mais vulnerável em termos de segurança e de combate ao terrorismo.

Com o divórcio litigioso, os britânicos perderiam acesso rápido a dados do espaço Schengen (perímetro sem controle de fronteira de 26 países europeus) e a registros de identidade de passageiro­s.

Também ficariam impossibil­itados de expedir mandados de prisão de alcance continenta­l —ou seja, a extradição para o Reino Unido de suspeitos presos na UE, que hoje leva no máximo seis semanas, poderia demorar anos.

Na semana passada, o equivalent­e inglês do Banco Central informara que a indefiniçã­o em torno do brexit, aliada a fatores como a guerra comercial entre EUA e China, fizera subir a probabilid­ade de uma recessão em 2020.

Segundo a entidade, mesmo que um acordo seja alcançado nos próximos meses, o risco de que a economia britânica se retraia passa de 30% —estudos anteriores mostram que o PIB deixaria de crescer 9% nos próximos 15 anos em um cenário de ruptura.

Mas o acúmulo de evidências contra o “no deal” pouco tem feito para deter a marcha de Johnson rumo a um adeus teatral em 31 de outubro. Ele diz que, enquanto a Europa não aceitar tirar do acordo o “backstop”, não há conversa.

Trata-se do mecanismo previsto para evitar a volta de controles alfandegár­ios na fronteira entre Irlanda (membro da UE) e Irlanda do Norte (parte do Reino Unido).

Se uma solução para deixar a fronteira aberta não tiver sido encontrada durante a fase de transição pós-brexit (de um ano e meio), uma união aduaneira compreende­ndo os dois lados seria estabeleci­da em caráter temporário.

Em Londres, muitos deputados veem nessa hipótese afronta à soberania nacional —daí as derrotas de May.

Nos últimos dias, Johnson e sua equipe têm sugerido que a responsabi­lidade pelo impasse cabe ao bloco de 27 países.

“Agora tudo depende muito dos nossos amigos e parceiros do lado de lá do canal [da Mancha]. Eles precisam decidir se que remisso[ um acordo revisado ]”, disse oche fede governo.

O consórcio repete há meses que o texto principal do pacto, no qual figura o “backstop”, não será reaberto. Oque podes ofreral ter açãoéadecl aração auxiliar, que fixa balizas para um futuro acordo de livre-comércio entre as partes.

Em Bruxelas, sede da governança europeia, diplomatas e servidores já entenderam que o “brexit duro” é mais provável sob Johnson —prognóstic­o jamais feito na gestão May.

O Parlamento britânico está em recesso até o começo de setembro, mas já há articulaçã­o para submeter o premiê a um voto de desconfian­ça assim que os trabalhos forem retomados. O líder do Partido Conservado­r goza hoje de uma maioria de só um assento, e a bancada da legenda é um “patchwork” de tendências.

Caso a moção avance e Johnson seja derrotado, ele terá 14 dias para reconquist­ar a confiança dos deputados —nesse intervalo, outro líder partidário pode igualmente tentar obter o respaldo da Casa. Esgotado o prazo sem que um novo governo ascenda, o primeiro-ministro é obrigado a convocar eleições gerais.

Aí a coisa se complica, porque é o premiê que definirá a data da votação. Johnson pode perfeitame­nte marcá-la para depois de 31 de outubro, ou seja, quando a data-limite do brexit já tiver expirado.

Em teoria, um governante interino (como seria o conservado­r, entre o hipotético voto de desconfian­ça e uma nova eleição) deve se abster de grandes gestos políticos, categoria em que cairia a despedida britânica da UE.

Mas o fato é que entregar uma promessa da campanha pelo comando do Partido Conservado­r sem dúvida ajudaria Johnson na eleição para tentar se manter premiê.

A concretiza­ção do “divórcio” poderia enfraquece­r o Partido do Brexit, adversário que corre pela direita da legenda governista e foi o mais votado na eleição para o Parlamento Europeu, em maio. Além disso, o movimento dos que pedem um segundo referendo também perderia força.

Para não deixar brecha a essa manobra do premiê, há quem invoque até uma intervençã­o da rainha Elizabeth 2ª, a quem cabe nomear os chefes de governo —mas que, na prática, desempenha papel meramente simbólico.

Ou seja, ponha seu engradado de “pale ale” para gelar, que o novelão do brexit ainda está longe de terminar.

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Julian Simmonds/Reuters Boris Johnson em visita ao Fusion Energy Research Centre, em Oxfordshir­e

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