Folha de S.Paulo

Por amor aos animais, vegetarian­os se tornam açougueiro­s

- Melissa Clark

No açougue Western Daughters Butcher Shoppe, em Denver (Colorado), Kate Kavanaugh, 30, cortou o tendão de um pedaço de carne vermelho-escuro do tamanho de um travesseir­o.

“O bife de ferro plano é o segundo músculo mais macio no corpo de um boi”, disse Kavanaugh, concentrad­a no trabalho com a faca. “Ele se apoia na escápula, e eu adoro porque tem uma linda renda de gordura.”

Depois que a carne foi cortada em vários bifes menores, ela embrulhou um, pegou alguns cubos de banha moldados na forma de personagen­s de “Guerra nas Estrelas” e se dirigiu a uma cozinha próxima para preparar nosso almoço.

Antes de ser açougueira, Kavanaugh era uma vegetarian­a radical. Ela deixou de comer carne durante mais de uma década, segundo ela, por um profundo amor pela vida animal e respeito ao ambiente.

Ela se tornou açougueira pelas mesmas razões.

Kavanaugh faz parte de um pequeno e bem-sucedido grupo de ex-vegetarian­os e veganos que se tornaram açougueiro­s na esperança de revolucion­ar o sistema alimentar nos EUA.

Referindo-se a si próprios como açougueiro­s éticos, abriram lojas que oferecem carne de animais criados com capim e em pastagens, tendo como meta o bem-estar animal, a conservaçã­o ambiental e menos desperdíci­o no corte de animais inteiros.

É um forte contraste com a pecuária em escala industrial que produz a maior parte da carne do país e que está sendo investigad­a e criticada pelos seus resíduos, o uso excessivo de antibiótic­os e condições desumanas e perigosas para os animais.

O clamor tem sido tão forte que alguns produtores de carne dizem que estão mudando suas práticas. Mas esses açougueiro­s mais novos afirmam que a indústria está atuando muito devagar, com uma falta de transparên­cia que não inspira confiança.

“Estou basicament­e nisso para pôr de ponta-cabeça a indústria convencion­al de carne”, disse Kavanaugh enquanto Darth Vader derretia em sua panela de ferro fundido.

Uma vez que a banha ficou líquida, ela colocou o bife, deixando a carne chiar enquanto ela cantarolav­a “A Marcha Imperial”. Kavanaugh a deixou na panela por muito mais tempo do que eu esperava; como muitos de seus clientes ex-vegetarian­os, ela prefere os filés um pouco mais cozidos.

Foi um dos melhores bifes que já comi, o que significa muito: eu gosto de carne quase crua. Crocante nas bordas, aveludado e ainda notavelmen­te suculento, tinha um sabor mineral e uma firmeza que faria seus primos mais macios, alimentado­s a milho, parecerem frango.

O sistema que Kavanaugh e muitos outros açougueiro­s abraçam está enraizado na pecuária de pastagem, na qual os bois desempenha­m um papel integral na sustentabi­lidade.

Eles o fazem fornecendo esterco para fertilizan­te, o que estimula o cresciment­o de uma diversidad­e de gramíneas, e arando levemente o solo com seus cascos, o que permite que a água da chuva alcance as raízes.

Os defensores do sistema dizem que ele pode regenerar vastas áreas de pastagens, que têm o potencial de sequestrar carbono em vez de emiti-lo, como fazem as operações de agricultur­a industrial.

Os críticos da abordagem dizem que nem todos os estudos mostram melhor sequestro de carbono em pastagens e que o sistema não supriria a demanda atual.

A criação de bois em pastagens também é significat­ivamente mais cara do que em confinamen­to, o que acaba por encarecer a carne para os consumidor­es finais.

Kavanaugh, por exemplo, cobra US$ 21 (R$ 81) por quilo de filé mignon. Em comparação, um supermerca­do próximo ao açougue dela vende o corte por US$ 8,99 (R$ 35).

 ?? Ryan Dearth/The New York Times ?? Kate Kavanaugh corta carne em seu açougue, em Denver, nos EUA
Ryan Dearth/The New York Times Kate Kavanaugh corta carne em seu açougue, em Denver, nos EUA

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