Folha de S.Paulo

Lava Jato no espelho

Mensagens vazadas constrange­m Deltan Dallagnol, mas também oferecem oportunida­de para reforçar controles e os limites impostos a investigad­ores

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Sobre impacto de mensagens vazadas da operação.

Passados dois meses desde que as mensagens vazadas de integrante­s da Lava Jato começaram a ser divulgadas, é possível tirar três conclusões sobre o procurador Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa à frente da operação em Curitiba.

Nos anos em que o ministro Sergio Moro foi o juiz responsáve­l pelo caso, o procurador desenvolve­u relação de grande proximidad­e com ele, em que trocaram informaçõe­s, debateram estratégia­s e discutiram decisões fora dos autos.

Ficou evidente que Dallagnol lucrou com a fama alcançada, dando palestras sobre corrupção para empresas e associaçõe­s privadas. Pode ter faturado com elas quantias superiores aos rendimento­s que recebe como servidor público.

Surgiram indícios de abuso de poder. As mensagens obtidas pelo site The Intercept expõem diversas situações em que o coordenado­r da força-tarefa incentiva colegas a investigar ministros do Supremo Tribunal Federal sigilosame­nte, com desprezo aos limites legais.

Caberá ao Judiciário e ao Conselho Nacional do Ministério Público, responsáve­l pela fiscalizaç­ão do trabalho dos procurador­es, examinar as condutas de Dallagnol, determinar o que há de impróprio nelas e decidir se merecem punição.

Mas os danos causados pelos vazamentos à credibilid­ade do procurador são difíceis de reparar, e sua continuida­de nas atuais funções parece ter se tornado inviável.

Mesmo que se considere a origem ilícita do material, obtido por jornalista­s após a invasão de aparelhos celulares por um hacker, é impossível ignorar o conteúdo dos diálogos e as suspeitas que levantam sobre as ações da Lava Jato.

Para evitar debater a substância das revelações, Dallagnol tem lançado dúvidas sobre a autenticid­ade das mensagens e atacado os críticos, que acusa de defender a impunidade de corruptos e poderosos. Trata-se de estratégia diversioni­sta e provavelme­nte inócua.

Ninguém despreza os resultados da Lava Jato, mas eles não podem servir de escudo para proteger os participan­tes da operação e impedir que sejam coibidos abusos como os revelados pelo vazamento.

Há certamente uma oportunida­de para aperfeiçoa­r o controle do trabalho dos procurador­es, exercido atualmente com tibieza pelo CNMP. Suas normas poderiam impor rigor e transparên­cia a atividades como as palestras de Dallagnol.

Há espaço para que o Congresso e o Supremo reforcem os limites que devem ser respeitado­s pelos investigad­ores, sem ignorar a proteção garantida pela Constituiç­ão à independên­cia do Ministério Público e de seus membros.

As mensagens vazadas oferecem um espelho incômodo para os que participar­am de excessos da Lava Jato. O futuro do combate à corrupção dependerá das lições que souberem extrair dessa reflexão.

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