Comunidade de 51 famílias teme ser expulsa de bairro rico do Rio
rio de janeiro “Voltou um filme na minha cabeça”, diz Jaqueline Costa, 35, no sofá da casa onde mora desde os 11 anos, lembrando do dia em que o oficial de Justiça entregou em suas mãos o aviso de que a comunidade corria risco de ser demolida e removida.
No ano passado, ela, que é presidente da associação de moradores, e outros vizinhos passaram quase um ano fazendo manifestações semanais e reuniões com a gestão do prefeito Marcelo Crivella (PRB) contra uma notificação de demolição.
A comunidade em que ela mora fica numa rua pacata na Barrinha, na Barra da Tijuca, região rica na zona oeste do Rio. São só cerca de 3 km até a casa do presidente Jair Bolsonaro. Em setembro de 2018, quando os moradores já pensavam estar tranquilos com uma decisão liminar da Justiça que proibia a demolição pelo município, o Ministério Público do RJ entrou com essa ação civil pública alegando irregularidades urbanísticas.
A comunidade da Barrinha é um terreno particular de 1.400 m², menor que um quarteirão, limitado por um muro pintado de verde com apenas uma porta de entrada e saída, cercado por dois colégios, um motel e uma igreja evangélica.
Moram ali 51 famílias e cerca de 160 pessoas, majoritariamente mulheres, em imóveis de alvenaria espremidos.
A poucos metros, há uma espécie de condomínio fechado por cancelas e uma cabine na entrada. É a sede da Amaba (Associação de Moradores e Amigos da Barra Antiga).
Foi da reclamação de morador dali que se originou, em 2013, inquérito civil para apurar a situação da comunidade da Barrinha, que resultaria na denúncia cinco anos depois.
O terreno da Barrinha é de um casal que já morreu, tendo sido herdado pelos filhos, que não foram encontrados pela Justiça (nem pela reportagem). Foi ocupado há cerca de 40 anos.
Na ação, o Ministério Público argumenta que se trata de construções irregulares: não é permitido naquela área o uso misto, a ocupação de mais de 50% do solo e construções com menos de 10 m de afastamento da calçada.
Também diz que a prefeitura sabe das ilegalidades há anos mas não fez nada para impedi-las. Pede que o município seja condenado a reassentar os moradores “em local seguro e digno” e os proprietários, a dar função ao terreno.
A defensora pública Adriana Bevilaqua alega que não existe motivo legal para a denúncia. Ela defende que uma simples transformação do terreno em área de especial interesse social (Aeis) pela prefeitura ou pela Câmara Municipal resolveria o problema.
Até o promotor que assumiu o caso em fevereiro, Marcus Leal, concorda. A prefeitura, por meio da pasta de Infraestrutura e Habitação, disse que “está realizando estudo para avaliar a possibilidade de transformar o local em área de interesse social”. Um projeto de lei do vereador Renato Cinco (PSOL) para isso também tramita desde junho.
Na visão dos moradores, há preconceito dos vizinhos do bairro de renda alta. “É muito claro que é uma classe mais rica que não quer os pobres morando perto. Pobre para eles só serve para trabalhar para eles”, afirma Jaqueline.