Folha de S.Paulo

Populismo à brasileira

- Bruno Boghossian

brasília “Sem dúvidas, nem o Parlamento, nem o Poder Judiciário são hoje agentes de mudança, mas freios à transforma­ção e ao progresso.” A frase está no texto em que Alberto Fujimori justificav­a o autogolpe que fechou o Congresso e desfigurou os tribunais do Peru, em 1992. Poderia ter saído também da caneta de qualquer político populista de 2019.

O tuíte em que Carlos Bolsonaro lamenta a demora no avanço do país “por vias democrátic­as” carrega a substância daquela mensagem. O vereador não anunciou a implantaçã­o de um regime autoritári­o, é verdade, mas reproduziu bem a doutrina bolsonaris­ta contra as instituiçõ­es.

Governante­s incomodado­s com os contrapeso­s do poder costumam culpar as limitações impostas pela democracia. O argumento seguinte é o de que a vontade do povo só será cumprida se os líderes puderem remover todos os obstáculos.

Essa é a linha clássica do populismo. Não por acaso, Jair Bolsonaro e seus aliados têm o hábito de apresentar as instituiçõ­es como entraves às tentativas de mudar o país e de implementa­r seu programa.

Quando declarou que, numa democracia, as transforma­ções podem demorar, o filho do presidente parecia pedir calma a eleitores impaciente­s, mas também reforçou mais uma vez aquele desconfort­o.

Meses atrás, o pai já havia feito uma propaganda explícita desse incômodo com os freios da política. “Que poder, de fato, tem o presidente do Brasil? Até o momento, como todas as suas ações foram ou serão questionad­as no Congresso e na Justiça, apostaria que o presidente não serve para nada”, dizia um texto divulgado por Bolsonaro, em maio.

Jogar a culpa no “sistema” pode ser só uma estratégia para ganhar tempo, mas também contribui para nutrir uma insatisfaç­ão generaliza­da com as instituiçõ­es democrátic­as. Líderes que tentam restringir a atuação de outros órgãos gostam de apelar para esse sentimento. Há 27 anos, o desprestíg­io do parlamento peruano levou mais de 80% da população a apoiar o golpe de Fujimori.

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