Negociação emperra, e cúpula europeia deve começar sem acordo para o brexit
Impasse ocorre porque Boris não tem apoio suficiente para aprovar projeto no Parlamento
são paulo, londres e bruxelas | reuters e afp O Reino Unido e a União Europeia chegaram perto de fechar um acordo nesta quarta (16) que permitiria que o país deixasse o bloco no próximo dia 31. Mas as negociações travaram, e a novela do brexit deve continuar por mais alguns dias.
O impasse aconteceu porque o primeiro-ministro Boris Johnson não conseguiu angariar apoio suficiente pa- ra aprovar no Parlamento em Londres a proposta negociada com Bruxelas.
Os dois lados esperavam concluir até esta quarta as negociações secretas, apelidadas de “o túnel”. Isso porque nesta quinta (17) os líderes dos 27 Estados-membros da UE (sem contar o Reino Unido) irão se encontrar para aprovar a proposta.
Sem um acordo fechado, é possível que os líderes europeus peçam mais tempo para as negociações e um novo adiamento para o brexit, marcado para 31 de outubro.
Para resumir a situação, Boris Johnson disse em reunião com parlamentares de seu Partido Conservador que o acordo “está envolto em neblina” e que ele próprio se sente no Hillary Step —o último e mais difícil trecho que os escaladores enfrentam antes de chegar ao pico do Everest.
O premiê deve seguir negociando noite adentro com a ala pró-brexit de seu Partido Conservador e com seu parceiro de coalizão, o partido norte-irlandês DUP. A sigla tem sido o principal entrave para um acordo.
A cúpula europeia seguirá até sexta e a maior parte dos representantes do bloco mantém tom otimista de que é possível fechar o acordo a tempo, apesar do prazo exíguo.
Até mesmo a dupla mais poderosa da União Europeia se mostrou esperançosa de que a questão será finalmente resolvida. Angela Merkel, a chanceler alemã, afirmou que as negociações estão no “sprint final” e que acredita que “pelo que ouvi nos últimos dias, um acordo é possível”.
“Concordo com tudo que a chanceler disser”, assentiu em seguida o presidente francês, Emmanuel Macron, durante um encontro entre os dois em Toulouse.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk (que já afirmou que os defensores do brexit deveriam ir para o inferno), foi outro que soou esperançoso. “Os princípios básicos de um acordo estão prontos e teoricamente amanhã nós poderemos aprovar esse acordo com o Reino Unido”, disse o polonês em Bruxelas, sede da burocracia europeia.
Pouco depois ele confirmou que o bloco está esperando apenas o sinal verde de Londres para aprovar a proposta.
O que exatamente estará no acordo, porém, ninguém sabe, já que nada foi oficialmente divulgado. Certo apenas é que ele deve apresentar uma nova solução para a questão das fronteiras entre as Irlandas, exatamente o assunto que aflige o DUP.
O chamado “backstop”, uma fronteira para produtos entre a República da Irlanda (um país independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido), é a principal trava das negociações.
As divergências gravitam em torno de como evitar a aplicação de controles alfandegários e, ao mesmo tempo, garantir o direito de controle concedido às autoridades da Irlanda do Norte sobre o acordo de divórcio.
O pacto deve também proteger simultaneamente o mercado único europeu e os acordos de paz que encerraram décadas de conflito na região —e que proíbem o reestabelecimento de uma fronteira tradicional entre os vizinhos.
O jornal The Guardian afirmou na terça (15) que as equipes de negociação consentiram com a ideia de uma fronteira alfandegária no mar da Irlanda, e não mais por terra, uma proposta rejeitada anteriormente pela ex-primeiraministra britânica Theresa May. Até o momento, porém, nada foi confirmado.
A imprensa britânica chegou a publicar nesta quarta que o DUP teria dado apoio a alguns termos do acordo, mas a liderança da sigla negou a informação e disse que nos termos atuais segue se opondo ao plano.
O suporte do partido norteirlandês é considerado essencial para aquela que promete ser a etapa mais dramática do processo: a votação de um possível acordo no Parlamento britânico.
May, antecessora do atual premiê, até conseguiu fechar um acordo com Bruxelas em 2018, mas viu a proposta ser derrotada três vezes pelo Parlamento, o que no fim a fez renunciar ao cargo.
Assim, caso Londres de fato consiga chegar a um novo acordo com a União Europeia e a proposta seja aprovada pelos líderes europeus na quinta, Boris deverá apresentar seu plano para votação dos deputados no sábado (19). A última vez que a Casa se reuniu num sábado foi em 1982, um dia após a Argentina dar início à Guerra das Malvinas.
Uma lei aprovada pelos deputados estabelece que a Casa deve aprovar até as 23h locais (19h de Brasília) de sábado um acordo para o divórcio. Caso isso não aconteça, o premiê deve pedir um adiamento do brexit para o fim de janeiro de 2020.
O projeto foi aprovado porque os parlamentares queriam impedir o chamado “no deal”, ou seja, o divórcio sem acordo. Segundo estudos, uma saída da União Europeia dessa forma poderia derrubar a economia britânica.
Boris, porém, chegou ao cargo prometendo que o Reino Unido deixaria o bloco no dia 31 de qualquer maneira. E já disse que, caso isso não aconteça, vai buscar brechas para não pedir o adiamento —o que poderia jogar o país em uma crise constitucional entre Executivo e Legislativo.
Sem saber o teor do acordo, porém, é impossível prever o resultado da votação no Parlamento, que está rachado em diferentes alas.
O próprio governo, formado pelos conservadores e pelo DUP, perdeu sua maioria na Casa nos últimos meses, mas segue no comando do país porque não há consenso na oposição, liderada pelo Partido Trabalhista, para a indicação de um novo primeiro-ministro.
Em meio a esse impasse, parte da oposição anunciou que pretende propor no sábado a convocação de um referendo para confirmar ou não o novo acordo.
Assim, passados mais de três anos do plebiscito original, a indefinição sobre o que acontecerá com o brexit ainda deve continuar, pelo menos por mais alguns dias.