Folha de S.Paulo

Chile registra sete mortos mesmo sob toque de recolher

Exército nas ruas não contêm manifestaç­ões, com saques e incêndios; país está em guerra, declara presidente chileno

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Nos mais violentos protestos desde a redemocrat­ização em 1990, ao menos sete pessoas morreram no Chile nos últimos três dias. “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso”, disse o presidente Sebastián Piñera à nação na noite de ontem.

Em estado de emergência, os chilenos estão submetidos a toque de recolher.

Mesmo assim, as manifestaç­ões continuara­m, com depredaçõe­s, saques e incêndios. Há 1.462 presos.

Estopim dos protestos, o aumento da tarifa de metrô foi suspenso anteontem. Os manifestan­tes, a maioria jovens, entoam palavras de ordem como “chega de abusos” e usam a hashtag “Chile despertó” (Chile acordou).

O Exército, com blindados e jatos de água, está ajudando a polícia a tentar conter os protestos, principalm­ente na capital Santiago. As vítimas morreram em incêndios em supermerca­dos e lojas saqueadas.

santiago e são paulo | afp e reuters A atual onda de protestos violentos que atinge o Chile ganhou contornos mais dramáticos neste domingo (20), quando dois incêndios em Santiago deixaram ao menos sete mortos.

Manifestaç­ões e confrontos, que começaram na capital, se espalharam por diversas partes do país. Isso mesmo após o presidente Sebastián Piñera ter cancelado na noite de sábado (19) o aumento nas tarifas de metrô, estopim para a crise atual.

Mas a decisão não foi suficiente para acalmar os manifestan­tes, que tomaram as ruas da capital e de outras cidades importante­s, incluindo Valparaíso e Concepción —todas sob toque de recolher desde às 19h de domingo (o horário é o mesmo de Brasília).

O governo ainda não informou se a medida será mantido nessa segunda-feira (21).

Apesar do decreto e da mobilizaçã­o de quase 10 mil militares ajudando na segurança, os distúrbios continuara­m. Esta é a primeira vez que o governo chileno mobiliza o Exército nas ruas desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990.

Em Santiago, houve registros de violência desde a manhã de domingo e duas pessoas morreram em um incêndio no sul da cidade após o saque de um supermerca­do da rede Líder, controlado pelo Walmart.

Uma terceira pessoa ficou gravemente ferida, com 75% do corpo queimado. Os bombeiros levaram cerca de duas horas para conter as chamas.

Outras cinco pessoas morreram em um incêndio na fábrica de roupas Kayser, também na capital. O grupo ficou preso no segundo andar, onde estavam armazenada­s roupas íntimas.

Em pronunciam­ento na noite de domingo (20), o presidente Sebastian Piñera afirmou que o país está “em guerra”. “Estamos em guerra contra um inimigo poderoso, implacável, que não respeita nada, nem ninguém, e está disposto a usar a violência e o crime sem nenhum limite”, disse. “Mas vamos ganhar esta batalha.”

Os saques ao comércio se estenderam por vários pontos de Santiago. Apesar dos grandes supermerca­dos permanecer­em fechados, muitos foram invadidos e saqueados após grupos arrombarem as portas.

A polícia e os militares — encarregad­os da segurança após a instauraçã­o do estado de emergência no sábado— tentaram impedir os saques, mas ficaram sobrecarre­gados.

Os agentes de segurança usaram bombas de gás lacrimogên­eo e jatos d’água contra os manifestan­tes.

Assim, o centro de Santiago virou um cenário de destruição: semáforos no chão, ônibus queimados, lojas saqueadas e milhares de destroços nas ruas após os protestos.

Os manifestan­tes entoavam palavras de ordem como “chega de abusos” e, nas redes sociais, utilizam a hashtag “Chile despertó” (Chile acordou).

Os protestos começaram na segunda (14), mas só ganharam força na sexta, após os manifestan­tes convocaram uma “evasão em massa” no metrô contra o aumento de 3,75% na passagem em horários de pico —a maior alta na tarifa desde 2010.

A população exige ainda mudanças no modelo econômico, para que sejam garantidos o acesso à saúde e à educação, hoje serviços quase completame­nte privados.

Manifestan­tes também reclamam da desigualda­de social e do baixo valor das aposentado­rias.

“Cansamos, já basta. Enquanto nos enganam, os políticos fazem o que querem e vivem longe da realidade”, afirmou a socióloga Javiera Alarcón, 29, que protestava em frente ao palácio presidenci­al.

O Ministério Público informou que, até este domingo, 1.462 pessoas haviam sido detidas em todo o país por participaç­ão nos atos.

Os manifestan­tes também atacaram ônibus e estações do metrô —de acordo com o governo, 78 delas foram atingidas e algumas ficaram completame­nte destruídas.

O prejuízo no metrô de Santiago supera US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão) e algumas estações e linhas demorarão meses para voltar a funcionar, afirmou o presidente da companhia estatal, Louis de Grange.

Dezenas de concession­árias e pedágios foram saqueados ou incendiado­s. “Estamos vivendo um alto nível de delinquênc­ia, pilantrage­m e roubos”, declarou Alberto Espina, ministro de Defesa.

O governo anunciou que as aulas foram suspensas na capital pelo menos até a próxima sexta-feira (25).

No aeroporto de Santiago, centenas de pessoas estão impedidas de viajar e estão dormindo no chão, aguardando que a programaçã­o de voos seja normalizad­a.

Além disso, várias estações do metrô foram incendiada­s com coquetéis molotov.

Neste domingo, o presidente Piñera convocou uma reunião com ministros, aliados políticos e representa­ntes de outros poderes para debater a situação.

“A democracia deve se defender, usando todos os instrument­os que ela possui e o Estado de Direito, para combater quem quer destrui-la”, afirmou ele em discurso.

O presidente convocou um diálogo “amplo e transversa­l” para atender as demandas da sociedade, mas até o momento nenhum líder foi convidado a negociar.

Além da paralisaçã­o do metrô, as linhas de ônibus também estão suspensas temporaria­mente, depois que cinco veículos foram queimados no centro de Santiago, o que deixou sete milhões de pessoas sem transporte público.

“Não gosto de violência nem que quebrem tudo, mas de repente temos que permitir essas coisas para que deixem de nos enganar, subindo sem freio todos os preços para que os ricos se tornem mais ricos”, disse a vendedora de móveis Alejandra Ibánez, 38.

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Jose Luis Saavedra/Reuters No alto, manifestan­tes entram em confronto com tropa de choque nas ruas de Santiago; acima, soldados do Exército guardam supermerca­do em Concepción
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Claudio Reyes/AFP
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Ivan Alvarado/Reuters 1 Neste domingo (20), chilenos foram às ruas protestar; em Santiago, manifestan­tes pediram ‘Dignidade, não militares’ 2 e entraram em confronto 4 com a polícia, que fez uso de gás lacrimogên­eo 1 ; o aeroporto da capital teve caos 3 , e furtos foram registrado­s em farmácias e mercados em cidades como Concepción 5
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Pablo Vera/AFP 2
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