Folha de S.Paulo

Agora santa, Irmã Dulce leva 49 mil a missa de oito horas na Fonte Nova

Cerimônia que comemorou canonizaçã­o da freira baiana foi realizada no estádio da Fonte Nova

- João Pedro Pitombo

salvador O termômetro marcava 32 graus e o sol castigava as arquibanca­das da Arena Fonte Nova, em Salvador, no início da tarde deste domingo (20). O público se protegia como podia: lenços na cabeça, leques e até folhetos de papel. Mesmo assim, o suor teimava em escorrer pelos rostos dos fiéis.

Eles chegaram cedo: dos bairros da periferia de Salvador, de cidades do interior e também de outros estados. Formaram um aglomerado de 49 mil pessoas que enfrentara­m uma maratona de oito horas para celebrar a canonizaçã­o de Irmã Dulce (1914-1992), agora Santa Dulce dos Pobres.

A freira baiana foi canonizada no último domingo (13), no Vaticano, em cerimônia chefiada pelo papa Francisco. Irmã Dulce teve dois milagres reconhecid­os pela Igreja Católica e se tornou a primeira santa nascida no Brasil.

Em Salvador, cada um tinha a sua história. Maricelia Barbosa, 63, enfrentou 586 quilômetro­s de estrada de Xique-Xique, norte da Bahia, até a capital. Deu seu motivo: “Morei em Salvador na infância e cheguei a encontrar com ela algumas vezes. Sempre admirei seu trabalho social”.

Sheila Lima, 54, também diz ter conhecido Irmã Dulce: nos anos 1980, quando se formou em enfermagem em Aracaju, tomou um ônibus e foi a Salvador conhecer o hospital da freira. “Tive o prazer de abraçá-la. Para mim, ela já era uma santa naquela época.”

De Cruz das Almas, no recôncavo baiano, chegou Edson Santos, 46. Não conheceu Irmã Dulce, mas nem precisava, diz: “Todo o amor que Irmã Dulce representa está aqui. Olha só essa multidão”.

E era mesmo uma multidão. Os primeiros romeiros chegaram às 4h. Às 7h, uma pequena fila já se formava na porta do estádio. Quando os portões foram abertos, às 12h, filas de centenas de metros tomavam os arredores da Fonte Nova.

Traziam de um tudo: terços nas mãos, cartazes em homenagem à freira e até imagens em gesso de Irmã Dulce com um metro de altura. Quase todos vestiam camisas com o retrato da nova santa.

Na festa do povo, políticos, que foram aos borbotões ao Vaticano, eram raros. Entre as principais autoridade­s, marcaram presença o governador Rui Costa (PT) e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).

O governador celebrou a trajetória de Irmã Dulce e o cresciment­o da devoção à santa para além das fronteiras da Bahia. Fez troça ao contar um caso de “graça alcançada” que recebeu no celular nesta semana. “Era um áudio de um locutor de futebol de Alagoas já chamando pela santa [Dulce]. E em seguida o CSA fez um gol”, disse, aos risos.

Neto destacou a missa como um momento histórico, lembrou a religiosid­ade do povo baiano e propagande­ou uma obra de sua gestão: um corredor da fé entre as Obras Irmã Dulce e a Basílica do Senhor do Bonfim, na Cidade Baixa.

Antes da missa, foi encenado no palco o musical “Império de Amor”, com a participaç­ão de 700 atores, sendo 482 crianças e adolescent­es. Lá estavam os principais símbolos da trajetória de Irmã Dulce: o atendiment­o aos mais pobres, o galinheiro que virou hospital e a imagem de Antônio, santo de devoção da freira.

Empolgado, o público aplaudiu ao final de cada ato e cantou junto nas apresentaç­ões dos cantores baianos Margareth Menezes e Saulo Fernandes e do sanfoneiro cearense Waldonys.

Mas os pulmões foram castigados mesmo quando o padre Antônio Maria surgiu no palco cantando uma música de, sempre ele, Roberto Carlos. Lenços brancos nas mãos, os fiéis saudaram Nossa Senhora.

O ato começou no final da tarde. Às 16h45, José Maurício Moreira, cujo milagre recebido referendou a canonizaçã­o da freira, subiu ao palco carregando nas mãos uma relíquia de Santa Dulce dos Pobres.

Cego por 14 anos, ele recuperou a visão em 2014 após colocar uma imagem de Irmã Dulce sob os olhos e suplicar para que cessassem as dores que sentia. A partir do dia seguinte, foi progressiv­amente voltando a enxergar. Os médicos não encontrara­m explicação para a cura.

A missa foi celebrada pelo cardeal arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger, que destacou a trajetória que levou Irmã Dulce à santidade. “A obra que ela deixou é uma obra viva, onde cada pessoa é uma pedrinha no mosaico de amor que forma o rosto de Jesus Cristo”.

Nas arquibanca­das, o público não arrefeceu. Lenços mais uma vez ao alto, caprichara­m nos cantos litúrgicos em homenagem a Irmã Dulce: “Gloria a ti, primeira santa”.

Impulsiona­dos pela fé, foram os protagonis­tas da primeira missa em solo brasileiro para a primeira santa do Brasil. Uma festa do povo e com o povo, tal qual a vida da freira que se tornou Santa Dulce dos Pobres.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Missa pela canonizaçã­o de Irmã Dulce no estádio em Salvador
 ?? Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress ?? Imagem de Irmã Dulce é exibida durante cerimônia de comemoraçã­o da canonizaçã­o da freira baiana, em Salvador
Fotos Eduardo Anizelli/Folhapress Imagem de Irmã Dulce é exibida durante cerimônia de comemoraçã­o da canonizaçã­o da freira baiana, em Salvador

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