Folha de S.Paulo

Quando passará o efeito alucinógen­o do chá que bebemos em 2013?

- Vinicius Mota

são paulo As eleições municipais do ano que vem vão servir de teste para saber se o transe por que passa a relação entre a sociedade e a política vai passar. Quanto será que dura o efeito do chá de cogumelo que bebemos por volta de junho de 2013?

Sob a ação do alucinógen­o, a própria ideia de representa­ção ganhou a condição de pecado irretratáv­el. Espalhou-se feito gás a imagem de políticos como espertalhõ­es corruptos, que pedem voto apenas para gozarem de privilégio­s às nossas custas.

Do lado de lá do balcão, mandatário­s também recorriam à própria farmacinha. Fecharam-se num circuito lisérgico com os financiado­res de suas campanhas que a cada giro exigia mais dinheiro e mais negociatas.

Autoridade­s encarregad­as de botar ordem na casa acabaram enfeitiçad­as pelo éter do estrelato. Valia tudo —arrepiar normas, mudar de posição, invadir competênci­a alheia, segurar processos, combinar o jogo— para perseguir, prender, afastar e condenar figurões. Encantado, o juiz da Lava Jato virou ministro.

Nesse império de vastas emoções e pensamento­s imperfeito­s, proliferou a ideia de que a salvação e os salvadores teriam de vir de fora da política. Dos homens da gestão privada, dos homens de quartéis e delegacias. Dos homens santos das igrejas.

Em meio à fumaça hipnótica, passou batido que o presidente eleito para purificar a pátria tinha sete mandatos de deputado nas costas e comandava uma dinastia familiar sustentada na política. O mesmo pode ser dito do pastor vitorioso para a prefeitura do Rio em 2016. Seu homólogo em São Paulo era um gestor sempre muito próximo de governos.

As lideranças da maioria no Congresso parecem ter sido as primeiras a despertar do delírio. Fincaram as estacas da moderação e do reformismo. Nenhuma maluquice da rave do Planalto vingou no Legislativ­o.

O desgaste natural no poder dos arautos da depuração tende a restituir realismo ao eleitor. Creio que notaremos a melhora em outubro de 2020, mas não sei se estou sóbrio.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil