Folha de S.Paulo

Derrame de inépcia

Falta governo esclarecer se faz tudo que plano de 2013 prevê para deter óleo nas praias do Nordeste

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Acerca de reação do governo a desastre ambiental.

Quase dois meses após as primeiras manchas de óleo chegarem às praias do Nordeste, persiste o enigma sobre a origem do derramamen­to. Não que achar culpados seja a maior prioridade, diante do desafio de livrar 2.100 km de litoral do piche que parece intermináv­el, mas a incapacida­de de fazê-lo ilustra bem a letargia do governo.

Pela extensão alcançada do desastre, cerca de um quarto da costa brasileira, já se trata do maior acidente do gênero. Foram afetadas 187 localidade­s em 77 municípios dos 9 estados nordestino­s.

Mais que organizar e liderar ações concretas de remediação, o Planalto parece empenhado em apontar o dedo para a Venezuela e propagar vaga teoria conspirató­ria sobre intenção criminosa na poluição. Uma coisa é o óleo ter sido extraído de território venezuelan­o; outra, bem diversa, é atribuir responsabi­lidade pelo vazamento ao regime de Nicolás Maduro.

A hipótese mais provável indica que as manchas parecem vir de alto-mar, a centenas de quilômetro­s do litoral de Pernambuco e Paraíba. Poderia ser um naufrágio, ou transbordo desastrado de óleo a partir de um navio sem registro contratado para burlar o embargo à Venezuela. Ninguém sabe.

Sem indício palpável algum, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sugeriu na sexta-feira (18) que o objetivo oculto seria prejudicar o megaleilão de cessão onerosa marcado para o mês que vem.

Trata-se de manobra canhestra para tentar faturar politicame­nte uma tragédia para a fauna e a flora com potencial de prejudicar o turismo e a pesca no Nordeste.

Tal diversioni­smo trai o propósito de passar ao largo do esclarecim­ento devido: estaria o governo federal cumprindo tudo que prevê o Plano Nacional de Contingênc­ia para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC) aprovado em 2013, ainda na administra­ção da presidente Dilma Rousseff (PT)?

Cabe ao Ministério do Meio Ambiente e à Marinha, peças centrais do esforço necessário de contenção dos danos, prestar contas à opinião pública sobre isso. Com detalhes, com dispensa de declaraçõe­s pomposas de boas intenções.

Entretanto descobriu-se que a gestão de Jair Bolsonaro extinguiu dois comitês integrante­s do PNC, em meio a sua ofensiva cega contra conselhos e outros colegiados consultivo­s instalados no Executivo federal —que o Planalto julga serem herança dos anos petistas.

Difícil dizer agora se os comitês, caso estivessem em funcioname­nto, permitiria­m uma resposta mais rápida e eficaz ao desastre. Fato é que esse governo não se ajuda.

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