Folha de S.Paulo

S&P diz que é cedo para mudar nota de risco do Brasil

Na avaliação da agência de risco, há ainda entraves políticos, como a falta de apoio do governo no Congresso, que pode atrasar reformas

- Fábio Pupo

Principal analista da agência de classifica­ção de risco avalia que dez meses das gestões Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Economia) não possibilit­am, quatro anos após a retirada do selo de bom pagador, melhora de visão da nota do Brasil.

brasília Quatro anos após retirar o selo de bom pagador do Brasil, a agência de classifica­ção de risco S&P Global Ratings (antiga Standard & Poor’s) avalia que os quase dez meses da gestão de Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes (Economia) não possibilit­am uma melhora de visão sobre a nota do país.

“O que vimos até agora é coerente com uma perspectiv­a estável”, diz à Folha Livia Honsel, analista principal da S&P para o rating do Brasil.

A agência, primeira a retirar o grau de investimen­to do país em 2015, deve publicar nos próximos meses um novo relatório com a nota brasileira.

O Brasil conquistou o grau de investimen­to em 2008, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perdeu cerca de sete anos depois, no governo Dilma Rousseff (PT), em meio à deterioraç­ão fiscal.

Hoje, o país tem nota BB(três degraus abaixo do selo de bom pagador).

Honsel diz que a melhora da nota depende de medidas para reduzir o déficit e estimular o cresciment­o de longo prazo. Mas há dificuldad­es para a continuida­de da agenda, em especial no Congresso.

“A reforma da Previdênci­a tinha um consenso relevante na opinião pública e ainda não foi completame­nte aprovada. No caso da reforma tributária ou da reforma das despesas não nos surpreende­ria se também fosse [um processo] lento”, diz.

A expansão do PIB em 2020 é vista como um fator fundamenta­l, tanto para a melhora da nota como para o apoio parlamenta­r à agenda econômica. “O Congresso vai apoiar as reformas se o cresciment­o acelerar no ano que vem”, diz.

Perspectiv­a do Brasil

O que vimos até agora é coerente com um outlook [uma perspectiv­a] estável. O impacto da reforma da Previdênci­a é quase nulo nos próximos anos, começando gradualmen­te a ter um efeito positivo.

Para uma melhora no rating, precisamos ver alguns fatores mais fortes do que esperamos no cenário-base. Isso poderia ocorrer por meio de uma redução mais rápida do déficit ou de uma aceleração mais rápida do PIB.

E, para isso acontecer, precisamos ver uma maior confiança do setor privado, o que pode vir pela aprovação de reformas econômicas ou fiscais.

Ritmo das reformas

O risco de algum atraso na aprovação dessas reformas é importante, e isso é considerad­o dentro do nosso cenário-base. Sempre falamos que a aprovação de propostas mais controvers­as seria mais difícil para um governo que não tem uma base ampla no Congresso e [agora, ainda mais] para um presidente que perdeu aprovação rapidament­e.

No governo Michel Temer nós baixamos a nota justamente porque pensamos que o atraso na aprovação da reforma da Previdênci­a evidenciav­a que Executivo e Legislativ­o estavam tendo dificuldad­es para encontrar um consenso. Continua sendo assim.

Próximas reformas Achamos [no começo do ano] que ia ser um pouco complicada a aprovação rápida dessas reformas. O que estamos vendo agora reflete essa opinião.

A reforma da Previdênci­a, que tinha um consenso relevante na opinião pública, ainda não foi completame­nte aprovada. É bastante tempo.

Para a reforma tributária e para a reforma das despesas, também não nos surpreende­ria se [o processo] fosse lento. Haverá pautas controvers­as.

A reforma tributária, a fiscal e as privatizaç­ões de empresas podem ser mais difíceis.

PIB determinan­do apoio Tendo o governo uma base de apoio fraca no Congresso, o cresciment­o econômico vai ser um fator-chave para a aprovação das futuras reformas. Os parlamenta­res vão continuar apoiando as reformas se o PIB acelerar no ano que vem. Estamos esperando 0,8% [para o PIB] neste ano e 2% no ano que vem.

É um nível baixo de cresciment­o para uma nota de duplo B, e isso é uma das fraquezas do rating. O cresciment­o é mais baixo que o de outros países com a mesma nota.

Tanto para o rating como para a aprovação das reformas, a aceleração na economia é muito importante.

Queda no cresciment­o Foram vários fatores [que causaram deterioraç­ão do PIB em 2019]. Houve atraso na aprovação das reformas, com um impacto negativo na confiança dos investidor­es locais.

E também os fatores externos foram mais negativos do que pensávamos. Como a guerra comercial, a crise na Argentina e um cresciment­o mais lento na Europa. Tudo contou para a revisão do PIB.

Cessão onerosa

[Receitas não-recorrente­s, como cessão onerosa] Podem ser positivas para melhorar o resultado fiscal no ano ou em 2020, mas isso não representa uma melhora estrutural da nossa avaliação fiscal para a dívida do Brasil.

Precisamos ver mais reformas estruturai­s para melhorar o sistema tributário ou reduzir despesas obrigatóri­as.

Liberação do FGTS

Essa medida não traz cresciment­o de longo prazo. Damos valor para medidas estruturai­s que poderiam levar a uma melhora na perspectiv­a de cresciment­o de médio prazo e uma redução no déficit. Essa medida pode gerar cresciment­o no curto prazo, mas não é estrutural.

Pontos fracos e fortes

As fraquezas do rating são o baixo cresciment­o econômico e, na parte fiscal, um alto déficit do governo que até agora não permitiu a estabiliza­ção do nível de dívida. Mas, por outro lado, vemos a parte monetária e das contas externas como sólida.

“Poderemos elevar os ratings nos próximos dois anos se a abrangênci­a e profundida­de nas políticas sugerirem uma mudança mais rápida do que atualmente esperamos nas trajetória­s fiscais e de cresciment­o

Grau de investimen­to

O rating do Brasil foi baixando ao longo dos anos com deterioraç­ão de vários indicadore­s. Para melhorá-lo, precisamos ver melhoras em diferentes setores. Não é um processo rápido. A melhora na parte fiscal e institucio­nal leva um certo tempo e um ano de governo não é suficiente. Temos dever um “track record” [histórico] e observar como a parte institucio­nal vai permitir a continuida­de da evolução fiscal e da dívida.

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Reprodução Livia, analista para Brasil da S&P

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