Democracia e populismo
A democracia representativa nãoé um mecanismo para revelara voz do povo, danação ou dos descamisados; a essência da nacionalidade ou da tribo; ou qualquer outro ideal transcendental caro aos populistas. Mas um arranjo institucional para “mandar os pilantras passearem” (a fórmula consagrada em inglês é “throw the rascals out”). As eleições são apenas autorizações para o exercício do poder; não têm conteúdo substantivo ex ante.
Democracia encarna o ideal majoritário queéo princípio ordenador das sociedades c ontem porâneas:éa maioria, e não um indivíduo ou grupo, que deve prevalecer. E aí começa a confusão da teoria clássica da democracia, em que esta é entendida como vontade geral, uma atualização da fórmula vox populi, vox Dei.
A confusão deriva da transformação, pela via das eleições, das preferências de uma maioria em vontade geral. Mas nas atuais democracias, essa m aio riaéa penas a maior minoria: a taxa média de comparecimento às urna sé de cer cade 2/3 do eleitorado, e os vencedores obtêm tipicamente menos de 40% dos votos.
Esseéo menor dos problemas da teoria: oprincipa léa impossibilidade lógica de racionalidade social na agregação de preferência em eleições e/ ou votações —problema identificado por Condorcet, lá atrás, e Kenneth Arrow (pelo qual recebeu o Nobel de Economia). Sabemos assim que os resultados de votações são em larga medida arbitrários.
Comisso, ocorreu umar evolução na forma como a teoria política passou a tratara democracia representativa. Mas as tentativas essencialistas de identificar algo que o mecanismo eleitoral supostamente revela persistem n assuas variantesiliberaisà esquerda e direita.
A democracia representativa é uma forma de veto popular contra o abuso. Na famosa definição de William Riker, “o tipo de democracia que assim sobrevive [à devastadora crítica à inconsistência da teoria clássica] não é, no entanto, um tipo de governo popular, mas uma forma —às vezes intermitente, errática e perversa— de veto popular” (Cf. “Liberalism against Populism: a Confrontation Between the Theory of Democracy and the Theory of Social Choice” [Liberalismo contra Populismo: Confronto entre Teoria da Democracia e a Teoria da Escolha Social], 1982).
Por isso, a democracia liberal confunde-se com alternância no pode recerto experimentalismo institucional, e não com implementação de ideais abstratos; com o pluralismo e competição e não o atingimento de algum fim perfeccionista (“descamisados no poder ”;“governo de justos ”). A saúde da democracia mede-se por sua capacidade de garantira elusiva tarefa de punição/premiação de governantes. Apenas isso. Mas não é pouco.