Folha de S.Paulo

Avanço da crise com PSL faz Bolsonaro recorrer a aliados da ‘velha política’

Presidente busca MDB, DEM e PSD para assegurar apoio no Congresso, após romper com o principal cacique e parte dos deputados da legenda

- Talita Fernandes

brasília Em meio à guerra interna no PSL, o presidente Jair Bolsonaro mudou de atitude e passou a procurar antigos caciques da política para evitar um isolamento.

Após dez meses de governo, até aqui marcado por sucessivas crises, ele resgatou uma prática dos antecessor­es: abrir a porta dos palácios para receber líderes partidário­s.

Nas últimas duas semanas, por exemplo, Bolsonaro se reuniu com os presidente­s de dois partidos que atuam com o chamado centrão — Baleia Rossi, do MDB, e Gilberto Kassab, do PSD.

O movimento do presidente deve se repetir com outras legendas quando ele voltar de uma viagem de duas semanas pela Ásia e pelo Oriente Médio.

O PSL vive hoje um profundo racha entre os grupos liderados pelo presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE), e pela família Bolsonaro. A destinação das verbas do fundo partidário, que devem chegar a R$ 110 milhões neste ano, a maior entre todos as agremiaçõe­s políticas, é um dos principais motivos desse conflito.

Com a inviabiliz­ação de apoio no PSL, após o agravament­o da crise na semana passada com a divulgação de áudios, retaliaçõe­s e ameaças, o presidente tem pouco a pouco aceitado aconselham­entos.

PSD, centrão —grupo informal de partidos com mais de 200 parlamenta­res na Câmara— e MDB, no entanto, são alvo de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, que os associam à “velha política”.

A reunião com o recém-eleito presidente do MDB ocorreu na semana passada, no Palácio do Planalto, e contou com a presença do ministro responsáve­l pela articulaçã­o política do governo, o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Já Kassab foi convidado pelo presidente para um café da manhã no Palácio da Alvorada na última sexta-feira (18), em compromiss­o que não constava da agenda oficial.

“Eu converso com todo mundo. Uns eu convido, outros querem vir. Eu converso com todo mundo. É o papel de um presidente. Eu quero paz para poder governar. Temos problemas enormes para poder resolver”, disse Bolsonaro logo após se encontrar com Kassab no Alvorada.

A declaração amistosa se opõe à forma como Bolsonaro se referia a Kassab durante a campanha eleitoral —alguém que, segundo ele, não sabia diferencia­r “gravidez de gravidade”. Kassab foi ministro de Ciência e Tecnologia do governo Michel Temer (MDB) e das Cidades da gestão Dilma Rousseff (PT).

A visita do ex-prefeito de São Paulo ocorreu a convite do presidente e foi bem avaliada por líderes do Congresso.

“Não há como fazer andar essas pautas [de interesse do governo], fazer com que as coisas aconteçam com maior celeridade se não for com uma sólida relação de parceria entre Executivo e Legislativ­o”, disse à Folha o líder do PSD na Câmara, deputado André de Paula (PE).

“Os sinais que a gente começa a perceber tanto do presidente quanto do general Ramos nesse sentido são muito bem-vindos”, afirmou.

Bolsonaro tem recebido ainda quadros do DEM, como o ex-deputado Alberto Fraga (DF), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP).

O governo, apesar do movimento, tem mantido o discurso de que não cederá à práticas da “velha política”.

O objetivo dos encontros, dizem interlocut­ores do Palácio do Planalto, é angariar apoio das legendas.

“A articulaçã­o política é muito maior, e a sua responsabi­lidade, do que a crise interna do PSL. Vamos pensar menos individual­mente ou no partido e pensar mais no país”, disse o general Ramos à Folha.

Baleia Rossi vê com bons olhos a tentativa de Bolsonaro de buscar diálogo, mas se diz independen­te.

“Não temos nenhuma intenção de aderir ao governo e muito menos de indicar nenhum tipo de cargo. Não temos essa expectativ­a e não queremos isso”, diz. “Esse diálogo é sadio e republican­o.”

Embora, segundo Rossi, seu partido não tenha aderido ao governo, é filiado ao MDB o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE). Assim como Bivar, ele foi alvo de operação da PF, mas segue firme no posto.

Bezerra Coelho é investigad­o sob suspeita de desvios de recursos de obras quando era ministro da Integração Nacional em governo do PT.

O MDB ganhou ainda mais espaço com a destituiçã­o de Joice Hasselmann (PSL-SP) da liderança do governo no Congresso. O senador Eduardo Gomes (MDB-TO) assumiu a vaga.

Bolsonaro espera que a crise que assola seu partido se arrefeça em duas semanas, quando volta das viagens. Com isso, ele daria sequência às conversas com aliados.

Líderes políticos ouvidos pela Folha dizem que a chegada de Ramos à Secretaria de Governo ajudou na quebra de resistênci­a de Bolsonaro.

A busca de apoio se dá em um cenário de pautas importante­s pela frente no Congresso. O PSL já afirmou que apoia apenas pautas econômicas.

A reforma da Previdênci­a, por exemplo, avançou com a liberação de R$ 3 bilhões em emendas parlamenta­res.

A equipe de Paulo Guedes (Economia) ainda pretende apresentar reformas robustas para o país, como a administra­tiva, que altera a estrutura do RH do Estado, a tributária e o pacto federativo.

Apesar de avaliar como positiva a movimentaç­ão do presidente, líderes ouvidos reservadam­ente pela Folha veem com algum ceticismo o impacto dessa mudança de atitude de Bolsonaro para a relação com o Legislativ­o.

Eles ponderam que o presidente tem uma forma errática de governar e se mostrou até agora pouco leal a seus aliados de primeira ordem.

Paralelame­nte a isso, Bolsonaro tem de lidar com a guerra interna do PSL. Antes fiéis às pautas do governo, deputados da legenda já anunciam retaliaçõe­s.

A reação vem com peso porque o partido do presidente tem a segunda maior bancada da Câmara, com 53 deputados. Cerca de 20 se mantêm ao lado de Bolsonaro. CPIs de temas sensíveis ao governo, como a da Lava Toga e a das Fake News, porém, não terão mais adesão incondicio­nal.

No sábado (19), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em live em redes sociais, cobrou fidelidade dos deputados do partido ao governo do pai.

Ele ainda disse que o escândalo das candidatur­as de laranjas, revelado pela Folha, tem feito Bolsonaro levar “muita pancada” —o presidente, porém, mantém no cargo o ministro Marcelo Álvaro Antonio (MG), indiciado pela PF e denunciado pelo Ministério Público sob suspeita de comandar nas eleições um esquema de candidatur­as de fechada em Minas Gerais.

 ?? Pedro Ladeira-30.mai.19/Folhapress ?? Bezerra Coelho (MDB), à esq., o ministro Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro
Pedro Ladeira-30.mai.19/Folhapress Bezerra Coelho (MDB), à esq., o ministro Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro

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