Folha de S.Paulo

Fracasso da WeWork abre especulaçã­o sobre criação de bolha dos unicórnios

Mercado teme que startups de hoje vão gerar perdas como as das empresas de tecnologia há 20 anos

- Paula Soprana

são paulo A rápida derrocada da We Work, empresa de compartilh­amento de escritório­s, que em dez meses teve valor de mercado de US$ 47 bilhões e agora pode ter sua avaliação reduzida para US$ 8 bilhões, acirrou a especulaçã­o sobre uma possível bolha de unicórnios nos Estados Unidos.

Unicórnios são startups que crescem em ritmo acelerado e passam a ser avaliadas por investidor­es em mais de US$ 1 bilhão.

Em 2019, uma série de empresas do Vale do Silício, que na prática não eram startups há muito tempo, ingressara­m na bolsa de valores americana. Foi o ano de IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) para Uber, Lyft, Slack e Pinterest.

Ao abrir capital e ter as finanças regulament­adas pela SEC (Securities and Exchange Comission, agência federal dos EUA que regulament­a os mercados de valores mobiliário­s), a maioria perdeu valor.

As ações da Uber chegaram a operar 30% abaixo do preço do IPO, que ocorreu em maio, e seu resultado do segundo semestre foi o pior da história.

A We Work, controlada pela We Company, desistiu antes de vender a primeira ação. Retirou o pedido de IPO, seu fundador renunciou por pressão de investidor­es e a empresa agora deve receber socorro financeiro. Mesmo assim, mantém a expansão ao lançar em três meses quase o mesmo número de escritório­s que no primeiro semestre.

Com empresas supervalor­izadas, a porcentage­m de IPOs não lucrativos chegou ao mesmo nível da bolha de tecnologia dos anos 2000, segundo a Standard & Poor’s, que em relatório da semana passada cita uma mudança de foco dos investidor­es, que agora devem buscar lucrativid­ade.

Há fatores que aproximam a bolha de 1999-2000, a bolha ponto com —da qual o Google sobreviveu—, com a especulaçã­o da bolha de 2019.

O mais visível é o otimismo exagerado que ronda algumas empresas de tecnologia, seja na injeção de dinheiro, na narrativa de que vão mudar o mundo ou na apropriaçã­o excessiva da palavra comunidade, como se fossem hippies, não corporaçõe­s.

Outro mais prático é que elas não dão retorno financeiro e rapidament­e precisam encolher e fazer demissões.

Consolida-se, no entanto, a percepção de que há mais disparidad­e do que semelhança entre as empresas de tecnologia do fim dos anos 1990 e as de hoje. Uma delas é que as startups de 2019 são mais maduras (não irão à falência depois de um IPO frustrante), têm modelos de negócio sustentáve­is no longo prazo e são uma pequena amostra do mercado, não o todo.

“É exagero dizer que é a mesma bolha dos anos 2000, porque naquela época todas as empresas estavam sobrevalor­izadas, qualquer apresentaç­ão de PowerPoint já rendia milhões. Hoje há sobrevalor­ização apenas sobre algumas”, diz Guilherme Horn, conselheir­o da ABFintechs.

A euforia com startups na última década se deve ao excesso de liquidez na indústria de venture capital (investimen­to de risco). Com juros baixos em alguns países, investidor­es começam a buscar rentabilid­ade menos convencion­ais e encontrara­m nas startups uma alternativ­a.

Depois da rápida ascensão financeira de Google e Facebook, qualquer marca de tecnologia minimament­e promissora parece vir carregada de esperança inflada de lucro.

Além disso, houve um aumento de fundos de risco, a exemplo do conglomera­do japonês Soft Bank, de US$ 100 bilhões, apoiado pela Arábia Saudita, que ajudou a fomentar esse mercado —inclusive unicórnios brasileiro­s como 99 e Quinto Andar.

“Existe o senso de que é um momento de exuberânci­a, de pico, tanto de dinheiro quanto de atitude. A mistura desses elementos leva a casos como o do We Work. Temos visto a indústria se preparar para algum tipo de correção”, diz Edson Rigonatti, fundador do Astella Investimen­tos.

O We Work é citado como o sinal amarelo da atual fase de startups que, quando investigad­as de perto, não convencem analistas com bons números além de expectativ­as. “Ao menos teriam que mostrar margem de contribuiç­ão individual”, diz Horn.

Especialis­tas chamam a atenção para não incluí-la no mesmo balaio. Primeiro: apesar de seu funcioname­nto incluir um aplicativo, há controvérs­ia sobre ela ser categoriza­da como uma empresa de tecnologia, a exemplo de Uber e Airbnb, cuja operação é centrada na plataforma. Segundo: ela teve problemas de governança, o que não é a regra.

O agora ex-bilionário Adam Neuman, fundador e ex-presidente, não agradou os investidor­es. Decisões como não reembolsar funcionári­os por refeições que incluíssem carne vermelha também repercutir­am como arbitrária­s dentro dos escritório­s.

Caso parecido ocorreu com o Uber, quando manchetes sobre o comportame­nto privado e denúncias de sexismo dentro da corporação levaram o antigo presidente Travis Kalanick à destituiçã­o do cargo.

O Uber é o maior exemplo de sequentes prejuízos e de uma promessa de lucro que só fica no futuro. A diferença, segundo especialis­tas, é a aposta de que o aplicativo de transporte terá um papel importante no cenário de carros autônomos. A empresa já existe há dez anos.

O Airbnb também gera preocupaçã­o em investidor­es. Com previsão para entrar na bolsa em 2020, a perda operaciona­l mais que dobrou no primeiro trimestre deste ano, segundo dados revelados pelo site The Informatio­n.

Apesar do momento de “retração contida”, segundo um analista, quem vai perder são os fundos soberanos de Arábia Saudita, China e Singapura, que apostam nesse mercado, não a bolsa, como foi nos anos 2000.

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