Folha de S.Paulo

Após cortes, cai assistênci­a a morador de rua no inverno

Secretaria de SP aponta otimização de verbas e maior investimen­to em 2020

- Paulo Gomes

são paulo O número de moradores de rua atendidos pela Prefeitura de São Paulo durante os meses frios de 2019 caiu 10% em relação ao mesmo período em 2018.

O total foi de 1,544 milhão neste ano —uma pessoa pode ser atendida diversas vezes— frente a 1,715 milhão de pessoas no ano passado, apesar da percepção de cresciment­o da população de rua.

A redução de atendiment­os ocorre após instabilid­ades na Secretaria de Assistênci­a e Desenvolvi­mento Social, responsáve­l por coordenar o acolhiment­o. A pasta trocou de secretário cinco vezes desde o início do mandato tucano na prefeitura, duas delas neste ano. Além disso, sofreu restrições orçamentár­ias e fechou abrigos.

A gestão atual à frente da Assistênci­a Social afirma que a verba congelada neste ano já foi reposta, aponta para uma otimização de recursos em andamento e maior investimen­to em 2020. Diz, ainda, que o inverno foi menos rigoroso do que o do ano anterior.

A época em que a prefeitura realiza a operação Baixas Temperatur­as tem início a partir da segunda quinzena de maio, quando começam os dias de frio mais intenso, e se estende até o fim de setembro, quando a temperatur­a começa a esquentar. Neste ano, foi de 22 de maio até 20 de setembro.

Apesar da queda no total de atendiment­os, o número de acolhidos nos abrigos emergencia­is durante as madrugadas mais frias—a operação é intensific­ada quando a temperatur­a alcança 13°C ou menos— teve um cresciment­o de 83% em relação a 2018.

Isso se deve, em parte, a parcerias com outras secretaria­s, como a de Esporte e Lazer, que cedeu espaços para serem utilizados como abrigos.

Entre os equipament­os municipais utilizados emergencia­lmente estão o Clube Tietê, no centro, e o Pelezão, na zona oeste, que para o período receberam camas, lençóis, travesseir­os e cobertores.

A sinergia entre as secretaria­s pode ter mitigado o risco de mortes dessas pessoas nas noites mais frias. Há quem avalie, por outro lado, que os contingenc­iamentos do primeiro semestre podem ter deixado desassisti­da parte da crescente população de rua.

“Eles festejam números, mas não tinha lugar para todo mundo”, diz o padre Júlio Lancellott­i, coordenado­r da Pastoral do Povo da Rua em São Paulo. “Os dados mostram que os atendiment­os durante o dia caíram. É incompreen­sível que não haja atendiment­o integral. Não significa que de o dia não estava frio.”

O padre relata que nos dias mais críticos o serviço telefônico por meio do qual se reportam desabrigad­os passando frio não atendia, ou que o encaminham­ento das pessoas em situação de risco demorava a ocorrer.

Não há um dado atualizado com a população aproximada dos moradores de rua, mas é consenso que esse número cresceu. “Aumentou bastante e a estrutura não acompanhou”, diz Edvaldo Santos, 53, na fila do Centro Temporário de Acolhiment­o Prates 3. Ele dorme em abrigos municipais desde que perdeu o emprego na construção civil, há cinco anos.

O último censo, de 2015, apontou 16 mil pessoas desabrigad­as. No mesmo ano, agentes municipais realizaram 56 mil abordagens amoradores de rua( um morador pode ser abordado mais de uma vez). Em 2018, esse número foi de 105 mil abordagens.

O Movimento Estadual de População em Situação de Rua estima que essa população hoje na capital seja de 32,6 mil pessoas. Um censo da prefeitura está em curso neste semestre para atualizar o dado de 2015.

São Paulo conta hoje com cerca de 21 mil vagas para moradores de rua nos serviços municipais, sendo cerca de 17 mil de acolhiment­o.

Para Francis Larry Santana, coordenado­r do Fórum da Assistênci­a Social, a prefeitura foi “extremamen­te incompeten­te” neste ano ao conduzir a operação nos meses frios. “Teve mais de um mês sem vaga na rede. Essa ampliação emergencia­l só foi se efetivar no meio do inverno por pressão da imprensa.”

A inclusão dos equipament­os da pasta de Esportes e Lazer ocorreu em 18 de julho, quase dois meses após o início da operação.

Francis, que trabalha em uma organizaçã­o social, afirma que a gestão municipal tem atrasado os pagamentos às entidades, o que dificulta a manutenção. “As organizaçõ­es estão fechando”, diz.

Secretária fala em maior orçamento para próximo ano

são paulo No início do ano, foram congelados R$ 240 milhões da Assistênci­a Social. O então secretário, José Castro, entregou o cargo sob o argumento de que a precarizaç­ão dos serviços seria inevitável com o bloqueio de verbas. Seu sucessor também já deixou o cargo, a pedido.

Quem assumiu foi a secretária de Direitos Humanos, Berenice Giannella, que acumulou as duas pastas. Segundo Giannella, os cortes fazem parte tanto de uma redução em despesas burocrátic­as da secretaria (contratos de limpeza, veículos e informátic­a) quanto do contingenc­iamento comum ao início do exercício.

Houve ainda cortes em vagas ociosas de outros serviços que não os para moradores de rua. “A prefeitura oferecia 300 vagas e a frequência média durante seis meses era de 200 pessoas. É um desperdíci­o de recurso público.”

No caso do fechamento de abrigos, como os da avenida Zaki Narchi (zona norte), a secretária diz que há uma readequaçã­o em curso, não uma diminuição de leitos.

Para 2020, a prefeitura deve destinar mais recursos aos serviços do que neste ano. O valor submetido à aprovação da Câmara para o Fundo Municipal de Assistênci­a Social foi de R$ 1,16 bilhão, frente a R$ 1,14 bilhão em 2019.

Quanto aos atrasos nos pagamentos a entidades, Giannella afirma que os problemas em geral são de prestação de contas das próprias organizaçõ­es sociais, e que os pagamentos têm sido realizados.

A secretária atribui o menor número de atendiment­os a um inverno menos rigoroso. “Se você tem dias menos frios as pessoas recusam.”

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