Folha de S.Paulo

Por nós e pelas que virão

Somos 51,7% da população, é passada a hora de ampliarmos nossa voz

- Tabata Amaral Cientista política, astrofísic­a e deputada federal pelo PDT-SP. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundador­a do Movimento Acredito

O exercício da política ainda é reduto masculino, apesar dos avanços conquistad­os. Por isso, sabíamos que o PL nº 5250/2019 causaria grande impacto, e não deu outra.

O projeto foi taxado de autoritári­o por fixar cotas femininas no Senado, garantindo equidade nas eleições nos anos em que há duas vagas em disputa, estabelece­ndo que uma deva ser sempre ocupada por uma mulher.

Integrei o grupo que apresentou o projeto e que inclui deputadas de diferentes correntes ideológica­s: Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Alice Portugal (PCdoB-BA), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Maria do Rosário (PT-RS), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Rejane Dias (PTPI), Soraya Santos (PL-RJ), Carmen Zanotto (CIDADANIA-SC) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Garanto, em nome de todas, que essa fria reação não vai nos paralisar.

O projeto prevê o preenchime­nto de vagas e não apenas um percentual de mulheres na disputa eleitoral porque assim garantimos a escolha real de candidatas competitiv­as.

Diante das candidatur­as laranjas, a conclusão lógica é que os atuais mecanismos já não são suficiente­s para garantir a nossa representa­tividade.

Somos 51,7% da população, segundo o IBGE, e não podemos nos contentar em ser, no Congresso, apenas 15% dos deputados e 14,8% dos senadores. É passada a hora de ampliarmos nossa voz.

Hoje, o Brasil ocupa o 126º lugar entre 192 países na representa­tividade de mulheres no Parlamento. Segundo o Fórum Econômico Mundial, entre 149 países, o Brasil está na 112ª posição no ranking que avalia o empoderame­nto político das mulheres. A Bolívia é o 14ª.

É no caso de Ruanda que encontramo­s o maior exemplo de como as cotas podem revolucion­ar a participaç­ão de mulheres na política. Logo depois da guerra, com o extermínio forçado de grande contingent­e masculino, as mulheres representa­vam 70% da população. Implementa­da a cota de 30% de participaç­ão nos cargos políticos, em 2003, o impacto foi tal que hoje 67% dos parlamenta­res do país são mulheres.

Há fartas evidências dos benefícios que traz a presença feminina na política. O estudo Close the political gender gap to reduce corruption (Elimine a diferença de gêneros para reduzir a corrupção), do U4 Anti-Corruption Resource Center (Noruega), por exemplo, mostrou que ter mais mulheres nos legislativ­os europeus reduziu a corrupção nas suas várias formas.

Já o trabalho das pesquisado­ras Lori Beaman (Northweste­rn University), Esther Duffo (MIT), Rohini Pande (Harvard), e Petia Topalova (FMI) em 495 vilas na Índia, revelou que o aumento da presença de mulheres na política levou as meninas a dedicar menos tempo a afazeres domésticos, melhorar o desempenho educaciona­l e manifestar aspirações de carreira mais próximas às dos meninos.

Ou seja, a igualdade de gênero na política tem também efeito positivo na construção de uma sociedade com igualdade de oportunida­des.

O reacionari­smo com que foi recebido nosso PL é prova de que nossa luta apenas começou. Mesmo com os mecanismos hoje em vigor, não é difícil concluir que nosso sistema permanece viciado e boicota nossa representa­tividade. E sem representa­tividade proporcion­al à nossa presença na sociedade, nossa democracia continuará deficiente.

Assim como nossas bisavós conquistar­am o direito ao voto, cabe a nós mobilizar forças e avançar na luta por direitos iguais, para que a próxima geração de meninas nasça, de fato, sem limites para seus sonhos.

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