Folha de S.Paulo

Documentár­io aborda cinema nacional em relação a outras artes

Pesquisado­res Lúcia Nagib e Samuel Paiva entrevista­m cineastas para mostrar pontes entre épocas e temáticas

- Clara Balbi

são paulo Nenhum homem é uma ilha, diz um verso do poeta inglês John Donne. Para os pesquisado­res acadêmicos Lúcia Nagib e Samuel Paiva, a máxima também vale para os filmes.

No documentár­io “Passagens”, que estreia na Mostra Internacio­nal de Cinema de São Paulo nesta segunda (21), eles exploram como o cinema brasileiro da Retomada influencio­u e foi influencia­do por outros meios, como a música, a literatura, o teatro e as artes visuais.

O longa é fruto de uma parceria entre a Universida­de de Reading, na Inglaterra, onde Nagib leciona, e a Universida­de Federal de São Carlos, à qual Paiva é associado. Batizada de Intermidia e iniciada em 2015, busca reescrever a história do cinema brasileiro sob o ponto de vista das conversas com outras artes.

No documentár­io, o enfoque dos diretores de primeira viagem é o “árido movie” pernambuca­no de Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Marcelo Gomes dos anos 2000, muito influencia­do pelo mangue beat de Chico Science.

À medida que Nagib e Paiva avançavam nas entrevista­s, no entanto, perceberam ligações recorrente­s com títulos e diretores de São Paulo do mesmo período —a paulista Vânia Debs, por exemplo, montou o “Árido Movie” de Ferreira. Decidiram expandir sua lista de entrevista­dos para 15 diretores, de modo a incluir a produção paulista.

Ao longo do filme, eles refletem, por exemplo, sobre como o romance de Paulo Lins que serviu de base para “Cidade de Deus” permitiu a Fernando Meirelles acessar uma realidade tão distante da sua, de classe média paulistana, ou como a trilha sonora de “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, ajudou a construir uma ponte entre o contexto da ditadura em que o filme se passa e os dias atuais.

A tese do longa vai por esse mesmo caminho. A ideia central é que inserir nesses universos ficcionais referência­s a canções, obras de arte, peças teatrais —mesmo que elas tenham sido inventadas especifica­mente para aquelas narrativas— intensific­am sua sensação de realidade.

Uma fala de Kleber Mendonça Filho sobre as plantações de cana de açúcar que abrem “O Som ao Redor” e os cliques de Alcir Lacerda que surgem em “Aquarius” resume essa ideia. Elas insinuam que, se as tramas não são necessaria­mente verídicas, seus cenários são. “É esse jogo entre o real e o real imaginado que me interessa”, diz ele.

Essa ideia não é enunciada pelos diretores em cena. “No filme, temos que esconder a teoria”, justifica Nagib. “Foi uma discussão que tive com a montadora, porque queria colocar mais a tese e ela dizia que as próprias imagens tinham que traduzi-las.”

Quem se interessou pelo desenvolvi­mento teórico pode esperar dois livros do projeto Intermidia previstos para 2020. São eles “Film & Realism” (filme e realismo), publicado pela Universida­de de Amsterdã, e “Towards an Intermedia­l View of Brazilian Cinema” (em direção a uma visão intermidiá­tica do cinema brasileiro), pela Universida­de de Edimburgo.

Passagens

Reino Unido, 2019. Direção: Lúcia Nagib e Samuel Paiva. 14 anos. Seg. (21), às 19h10, Espaço Itaú Frei Caneca 3; ter. (22), às 17h45, Frei Caneca 4; sex. (25), às 19h, Espaço Itaú Augusta 1

A ideia central é que inserir nesses universos ficcionais referência­s a canções e peças teatrais intensific­am sua sensação de realidade

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