Folha de S.Paulo

A entrevista

Ah, se todos fossem iguais ao Roger

- Claudia Tajes Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Em novembro lança a novela ‘Macha’

Todo mundo já comentou, recomendou e compartilh­ou. Já viu a entrevista do Roger? Aonde a gente fosse no sábado passado, a pergunta era essa. A entrevista do Roger ficou maior que o feriado de Nossa Senhora Aparecida e que o Dia da Criança.

Uma entrevista dada de cabeça quente, depois que o Bahia perdeu para o Fluminense. Ah, se todos tivessem a cabeça quente igual à do Roger.

Já vi e revi a entrevista muitas vezes, parando a imagem para aproveitar melhor as palavras. Os repórteres se impression­aram com o fato de os dois times terem técnicos negros.

Essa é a prova de que existe preconceit­o porque é algo que chama a atenção, Roger começou. Dois pretos, os únicos, ambos reconhecid­os em seus tempos de jogadores, comandando times da Série A em um país com 50% da população negra. (Como nós, os brancos, chamaríamo­s isso? Meritocrac­ia?)

E Roger continuou. Se não há preconceit­o no Brasil, por que os negros têm o nível de escolarida­de menor? Por que 70% da população carcerária é negra? Por que quem morre no Brasil são os jovens negros? Por que os menores salários, entre negros e brancos, são os dos negros? E entre as mulheres negras e brancas, são os das negras? Por que, entre as mulheres, quem mais morre são as negras? Quantas mulheres negras comentam esporte?

Dava para ouvir o silêncio dos repórteres. O próprio Roger esclareceu: a razão é o preconceit­o estrutural, institucio­nalizado. E a quem repete que não há racismo no Brasil porque, no fim das contas, um negro como Roger está no topo? A resposta dele é que isso prova exatamente o contrário.

Ser o único negro em todos os lugares que frequenta é a maior prova de que existe racismo. A entrevista do Roger ficou maior que a vitória do Flu.

No meio da semana, Roger foi a Porto Alegre para enfrentar o Grêmio. É o meu time. Foi Roger quem entregou a ideia que Renato Portaluppi transformo­u na série de vitórias que tivemos nos últimos anos.

A torcida do Grêmio adora o Roger, que não fez caso disso. Ganhou da gente em plena Arena.

Mas o que mais doeu foi ver os dois técnicos lado a lado e pensar na entrevista de um e de outro. A que Renato deu há alguns meses, aqui para a Folha, lembrou a máxima do “calado, fulano é um poeta”. Só que o campeonato segue e, o que vale, é levantar a taça lá no fim. O jeito é se abraçar no Renato. No tal país do futebol, a bola acaba falando mais alto que a consciênci­a.

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Cynthia Bonacossa

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