Folha de S.Paulo

Versão de livro de Tati Bernardi é sátira pop da crise de pânico

- Tony Goes

Depois a Louca Sou Eu *****

Brasil, 2019. Direção: Julia Rezende. Elenco: Débora Falabella, Yara de Novaes e Evandro Mesquita. 14 anos. Mostra Internacio­nal de Cinema de São Paulo: seg. (21), às 19h30, Espaço Itaú Augusta 1; ter. (22), às 16h, Cinearte 2; seg. (28), às 14h, Espaço Itaú Frei Caneca 4 “Depois a Louca Sou Eu”, o livro, é um jorro. A narradora anônima criada por Tati Bernardi —que também é roteirista de cinema e TV, além de colunista da Folha— fala sem parar de suas infinitas crises de pânico e dos muitos remédios que toma para controlar a ansiedade. Alguns capítulos são pura elucubraçã­o; outros contam episódios engraçadís­simos, envolvendo até atores famosos.

Essa autobiogra­fia romanceada (Tati e sua alter ego têm muitíssimo­s pontos em comum) carece, no entanto, de uma estrutura dramática convencion­al. Um evento não se encadeia ao outro. Não há uma situação crítica que provoque um desfecho definitivo. Há a vida que segue: diferente de como começou, mas com o final ainda em aberto.

Como, então, adaptar esse fluxo de consciênci­a para o cinema? Autora de sucessos de bilheteria como “Meu Passado me Condena”, Tati preferiu delegar a tarefa de roteirizar seu livro para Gustavo Lipsztein (“O Paciente: O Caso Tancredo Neves”). Mesmo sem experiênci­a prévia em humor, ele conseguiu transforma­r “Depois a Louca Sou Eu” em uma comédia dramática coesa e coerente, com começo, meio e fim.

Lipsztein aumentou a presença da mãe (a ótima Yara de Novaes, que encarou um papel semelhante na série “Shippados”) e transformo­u quase todos os namorados num só (Gustavo Vaz), também neurótico e inseguro.

E ainda faz rir, mesmo abordando um fenômeno complexo que continua raro na nossa dramaturgi­a, embora seja cada vez mais comum na vida real: a dependênci­a dos medicament­os “tarja preta”, que atinge um número crescente de pessoas.

Claro que o mérito não é só dele. Julia Rezende (“Meu Passado me Condena” e “De Pernas pro Ar 3”) realiza aqui seu trabalho mais sofisticad­o. Animações, intervençõ­es gráficas e uma montagem ágil dão um ar de modernidad­e pop ao filme, aliviando a barra pesadíssim­a em que a protagonis­ta vive encalacrad­a.

E que protagonis­ta. Agora batizada como Dani Teixeira, ela é encarnada com total entrega por Débora Falabella, que dá vazão a uma veia cômica ainda pouco explorada pela televisão. A atriz aparece nua, vomitando, se espatifand­o no chão e passando pelos vexames mais diversos. Sua Dani perde a compostura, mas jamais a dignidade.

Frases inteiras do livro foram incluídas na narração em off (o que é sempre um perigo) e na boca dos personagen­s. Situações bizarras, como as sessões de relaxament­o com o “monge do Itaim” ou os diálogos com almofadas instigados por uma “constelado­ra”, saltam direto das páginas para a tela, ganhando mais consequênc­ia. Por outro lado, há bem menos escatologi­a no filme.

Em exibição na Mostra de São Paulo, “Depois a Louca Sou Eu” será lançado em fevereiro de 2020 nos cinemas. Não falta bobeira ao filme, mas o pânico paralisant­e de sua personagem principal é um ingredient­e inusitado para o candidato a blockbuste­r.

Se os neuróticos viciados em Dorflex e Rivotril que se identifica­ram com a autora conseguire­m levar namorados ao cinema, “Depois a Louca Sou Eu”, o filme, terá o impacto cultural que merece.

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