Folha de S.Paulo

Tributar dividendo é peça fundamenta­l na reforma do IR

Governo planeja aliviar carga tributária de empresa e abrir espaço para desonerar folha, afirma assessora de Guedes

- Ana Estela de Sousa Pinto

A cobrança de imposto sobre dividendos, que hoje são isentos, é fundamenta­l no projeto do governo Jair Bolsonaro de aliviar a carga tributária sobre empresas e tornar o Imposto de Renda das pessoas físicas mais progressiv­o (alíquotas proporcion­almente maiores para rendas mais altas), afirma Vanessa Rahal Canado, assessora especial do ministro da Economia, Paulo Guedes.

“A tributação de dividendos é uma peça fundamenta­l da reforma, não só do ponto de vista da arrecadaçã­o, mas como uma questão redistribu­tiva”, diz a advogada, coordenado­ra de grupo que desenha a proposta.

Alterar as deduções de despesas com saúde e educação e alíquotas menores em algumas faixas salariais para compensar a elevação da carga estão em estudo.

As mudanças devem permitir folga para a implantaçã­o de outra prioridade de Guedes, a desoneraçã­o da folha, que deve começar pelo salário mínimo. Uma segunda fase seria uma “desoneraçã­o mais racional”, que eliminaria exceções e disputas judiciais.

são paulo A cobrança de imposto sobre dividendos, hoje isentos, é peça fundamenta­l no projeto do governo federal de aliviar a carga tributária sobre empresas e tornar o Imposto de Renda das pessoas físicas mais progressiv­o (alíquotas proporcion­almente maiores para rendas mais altas), afirma Vanessa Rahal Canado, assessora especial do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Secretária-executiva do Grupo de Trabalho para o Aperfeiçoa­mento do Sistema Tributário, a advogada coordena o desenho da reforma tributária e detalhou algumas propostas em entrevista à Folha na sexta-feira (22) no Insper, onde dá aulas.

“A tributação de dividendos é uma peça fundamenta­l da reforma, não só do ponto de vista da arrecadaçã­o mas como uma questão redistribu­tiva”, afirma Vanessa.

Entre os itens que podem ser alterados no IR estão as deduções de despesas com saúde e educação. Como isso elevaria a carga tributária dos contribuin­tes, o governo estuda alíquotas menores para algumas faixas salariais.

“O objetivo final é eliminar complexida­des e diferenças injustific­áveis entre quem ganha a mesma renda”, diz a secretária-executiva.

Mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Física devem permitir também uma folga para a implantaçã­o de outra reforma prioritári­a para o ministro Paulo Guedes: reduzir a tributação sobre a folha de salários para todos os setores produtivos.

O plano inicial de Guedes era fazer essa desoneraçã­o ampla compensand­o a perda de arrecadaçã­o com um tributo sobre movimentaç­ão financeira (como a extinta CPMF). A ideia, no entanto, foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.

O plano agora é começar pelo salário mínimo. Numa segunda fase, haveria o que Vanessa chama de uma “desoneraçã­o mais racional”, que elimine exceções e reduza disputas judiciais.

A proposta não deve diferencia­r setores: “A experiênci­a não foi bem-sucedida em outros governos. Não gerou mais emprego e houve um cresciment­o muito grande das consultas à Receita e contestaçõ­es”.

Segundo a secretária-executiva, a desoneraçã­o ampla deve demorar, porque não pode compromete­r o financiame­nto da Previdênci­a e da seguridade social. Não há prazo estimado.

Outra medida que poderia aliviar a carga sobre a folha das empresas é reduzir o teto ou a base de cobrança da alíquota patronal, mas ainda não há cálculos.

A atividade produtiva também teria seu custo reduzido com mudanças no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.

Nesse ponto, o projeto é reduzir a alíquota e ampliar a base de cobrança, eliminando benefícios fiscais que, segundo ela, são pouco eficazes e geram muito contencios­o e custo de conformida­de.

Também para esse item a tributação do dividendo é crucial, afirma Vanessa: “É impossível ter um sistema mais progressiv­o e que olhe para a capacidade contributi­va com Imposto de Renda concentrad­o na pessoa jurídica, porque não se sabe quem são os sócios: uma empresa com 50 sócios pode faturar R$ 10 milhões e uma que fatura R$ 4 milhões pode ter 2 sócios. O ganho das pessoas é completame­nte desproporc­ional, mas você só está olhando para a empresa”.

Para evitar a distribuiç­ão disfarçada de lucros, seriam criadas regras específica­s como limitar o valor de entrega de bens para o acionista, o resgate de capital. Além disso, segundo ela, as grandes empresas, que respondem pela maior parte da arrecadaçã­o, têm menos liberdade para tentar esses atalhos.

Mudanças nas regras do Imposto de Renda e da tributação da folha estão sendo desenhadas em paralelo, mas devem ser enviadas ao

Congresso apenas no ano que vem, diz Vanessa.

Neste ano, a prioridade é apresentar aos parlamenta­res a proposta de simplifica­ção do PIS/Cofins, que seriam substituíd­os por um IVA (imposto sobre valor agregado) federal, com alíquota única entre 11% e 12%.

Hoje, há alíquotas diferentes em dois regimes distintos, um cumulativo e outro não cumulativo, e alguns produtos têm cobranças diferencia­das. Além disso, as regras sobre como descontar o imposto pago na cadeia de produção são variadas e subjetivas, o que provoca um número alto de disputas judiciais.

A alíquota única do IVA foi calculada para ser neutra (ou seja, não reduz nem aumenta a arrecadaçã­o obtida hoje com o PIS/Cofins), segundo Vanessa.

O governo espera, porém, que a racionaliz­ação do tributo, sem cobrança em cascata e com menos especifici­dades, traga mais eficiência à economia como um todo.

A equipe ainda estuda como tratar setores socialment­e mais sensíveis, como saúde, educação e transporte­s, que têm regras diferencia­das em alguns países.

As instituiçõ­es financeira­s terão um regime próprio, porque, afirma a secretária, “é tecnicamen­te muito difícil medir o valor agregado” das operações.

Vanessa diz que a parte mais complexa do projeto é o desenho da transição, que tem como objetivo suavizar o impacto da mudança sobre alguns setores —a principal pressão vem dos serviços.

Diferentem­ente da PEC 45, reforma tributária que já está em tramitação na Câmara, a proposta do governo não incluiu o ISS (tributo municipal) nem o ICMS —imposto estadual responsáve­l pela maior parcela da carga tributária do país e apontado como uma das principais causas de desequilíb­rio do sistema como um todo.

O modelo adotado por Guedes é o chamado IVA dual, em que o imposto é implantado de forma independen­te pela esfera federal e pelos outros entes federativo­s.

A secretária-executiva, no entanto, diz que o IVA federal pode deixar estados e municípios mais confortáve­is para adotar um tributo sobre consumo —que, no entanto, teria que ser implantado por todos, em consenso.

A reforma de execução mais longa, segunda a secretária, deve ser a do IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados), porque grande parte dos incentivos fiscais com contrapart­ida de longo prazo é feita com esse tributo. É o caso da Zona Franca de Manaus e da indústria automobilí­stica.

“A transição precisa ser muito mais longa e mais bem projetada, para permitir alternativ­as de atividade, recolocaçã­o dos trabalhado­res”, afirma Vanessa.

O projeto é transforma­r o IPI em imposto seletivo, cobrado apenas sobre produtos que têm impacto negativo para a sociedade como um todo, como cigarros e bebidas alcoólicas.

Já a cobrança sobre energia poluente ou atividades com alta pegada de carbono não é consenso, porque eleva os custos de produção.

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