Folha de S.Paulo

Simples distorce conceito das micro e pequenas empresas, diz estudo

- Eduardo Cucolo

são paulo Principal programa de renúncia fiscal do país, o Simples Nacional distorce o conceito de micro e pequena empresa, ao beneficiar pessoas jurídicas com faturament­o de quase R$ 5 milhões anuais, e não gera resultados de formalizaç­ão que justifique­m seu custo para o país.

A avaliação faz parte do estudo “Qualidade dos gastos tributário­s no Brasil: o Simples Nacional”, elaborado pela Escola de Direito de São Paulo e pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV).

De acordo com o pesquisado­r Leonel Cesarino Pessôa, um dos organizado­res da pesquisa, o teto de regimes simplifica­dos na maioria dos países dificilmen­te ultrapassa US$ 100 mil (pouco mais de R$ 400 mil ao câmbio atual).

Entre as economias com regimes simplifica­dos de tributo único, o México se aproxima desse valor. África do Sul, Turquia e Itália estão abaixo.

Pessôa defende um limite próximo de US$ 20 mil (pouco mais de R$ 80 mil). É que se vê no Canadá, em Israel e em Portugal, que limitam o benefício aos tributos sobre o consumo para essa faixa.

No Brasil, o Simples incluiu microempre­sas, com faturament­o de até R$ 360 mil (valor próximo dos US$ 100 mil), mas também dá tratamento diferencia­do para companhias de pequeno porte, com limite de R$ 4,8 milhões.

De acordo com o estudo da FGV, o país com regime especial que possui limites para o tratamento diferencia­do superior ao do Brasil é a Hungria (cerca de 40% maior), mas que aplica alíquotas mais elevadas.

O limite de US$ 20 mil é semelhante ao do programa do MEI (Microempre­endedor Individual) no Brasil, aplicado para quem tem faturament­o anual inferior a R$ 81 mil.

O MEI é um programa mais restrito que o Simples, pois só permite a contrataçã­o de um funcionári­o, com remuneraçã­o máxima de um salário mínimo ou o piso da categoria.

Atualmente, há no Brasil 14,3 milhões de empresas no Simples e 9,2 milhões de MEIs.

Pessôa diz que nunca foi feita uma avaliação por parte do governo sobre os benefícios do programa. Há, no entanto, estudos que questionam os efeitos na geração de empregos e a real necessidad­e de o sistema ser tão abrangente.

O pesquisado­r defende a manutenção do Simples, mas com alcance mais restrito.

Em sua avaliação, o modelo atual acaba por beneficiar parcela da população de alta renda que deixa de ser contratada formalment­e para pagar menos tributos por meio de uma pessoa jurídica. Muitas dessas empresas nem possuem funcionári­os.

“Os médicos contratara­m mais funcionári­os em suas clínicas quando a passaram a ter o tratamento tributário diferencia­do? Os advogados contratara­m mais funcionári­os em seus escritório­s?”, questiona Pessôa.

Segundo os pesquisado­res, os poucos estudos acadêmicos sobre o tema mostram que o ganho de arrecadaçã­o com a formalizaç­ão dessas empresas é menor do que a perda de receita com a migração de companhias já formalizad­as para o Simples, que passam a pagar menos tributos.

Os pesquisado­res citam ainda estudos que mostram que nem todas as empresas estão gerando mais empregos por conta do regime diferencia­do.

“Se o maior potencial na criação de empregos for o fundamento [para o benefício], o tratamento diferencia­do deveria se limitar àquelas empresas efetivamen­te capazes de gerar mais empregos”, dizem os pesquisado­res.

“O tratamento tributário diferencia­do a toda e qualquer MPE acaba benefician­do empresas não competitiv­as e não gerando emprego adicional que compense a perda de arrecadaçã­o com o programa.”

Os pesquisado­res destacam que o Simples tem como principal efeito positivo para a economia brasileira permitir que empresas de menor porte reduzam os custos gerados pelo sistema tributário nacional.

Sistema é a maior renúncia tributária do governo federal

O Simples Nacional é o gasto tributário de maior participaç­ão no valor total (28,5%), seguido pelos Rendimento­s Isentos e Não Tributávei­s do Imposto de Renda Pessoa Física (10,5%), a Desoneraçã­o da Cesta Básica (9,9%) e a Zona Franca de Manaus (8,1%).

Criado em 1996 no âmbito federal, o programa foi reformulad­o em 2006, quando passou a incluir tributos de todos os estados e municípios.

Desde 2006, a renúncia fiscal cresceu 441% acima da inflação, devido ao aumento do teto de enquadrame­nto e do tipo de empresa que pode fazer o recolhimen­to simplifica­do.

São quase R$ 90 bilhões, o equivalent­e a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto), mais de dez vezes o gasto de países como Chile, México, África do Sul, Argentina e Índia em relação ao tamanho dessas economias emergentes, segundo dados do Banco Mundial.

Dados da Receita mostram que 22% da renúncia do Simples vão para a indústria e 78% para o comércio e serviços.

O presidente do Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria de São Paulo), Joseph Couri, diz que, ao contrário do que diz o estudo, outros países possuem incentivos tributário­s relevantes para MPEs, além de terem legislaçõe­s de proteção a essas empresas.

“Em outros países você tem um apoio incondicio­nal à micro e pequenas empresas”, afirma. “No Brasil, somos um dos maiores empregador­es do país e os grandes responsáve­is pelo mercado interno.”

Couri afirma existir uma movimentaç­ão do governo para acabar com o Simples e cita o aviso da Receita Federal que pode excluir o equivalent­e a 5% dessas empresas do sistema em 2020 por conta da cobrança de tributos.

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