Folha de S.Paulo

Centro-direita é favorita em eleição hoje no Uruguai

Eleição presidenci­al pode trazer volta de clãs familiares ao poder e tornar oposição partido que governa país há 15 anos

- Sylvia Colombo

montevidéu Dois milhões e setecentos mil uruguaios são esperados nos centros de votação neste domingo (24) para escolher quem será o próximo presidente do país.

O favorito, segundo as pesquisasd­eintençãod­evotomais recentes, é o centro-direitista Luis Lacalle Pou, 46, que tem de 5 a 7 pontos percentuai­s de vantagem sobre o centro-esquerdist­a Daniel Martínez, 62.

Mas o número de indecisos (6%) e dos que dizem votar em branco ou nulo (5%) ainda joga dúvidas sobre o resultado.

Se Lacalle Pou vencer, o pêndulo ideológico e político do país mudará de sentido e se voltará a setores tradiciona­is.

Seu partido, o Nacional (Blanco), foi fundado em 1836, carrega ideologia liberal e é voltado aos interesses do campo —diferencia­ndo-se de seu rival, o Colorado, mais urbano.

No partido Nacional há mais de uma linha de pensamento, e Lacalle Pou pertence à que se mostra a favor do livre mercado e é permissiva em relação a costumes —foi de sua autoria, aliás, o primeiro projeto de lei apresentad­o para a regulament­ação da maconha.

A vitória traria, ainda, o retorno de clãs familiares ao poder. Se ganhar, Lacalle Pou será o terceiro filho de um presidente a se eleger para o cargo.

Seu pai é Luis Alberto Lacalle, que governou o Uruguai entre 1990 e 1995. Os outros dois pares de pai e filho que comandaram o país pertencem ao clã dos Batlle, da linha fundadora do Colorado.

Uma vitória de Lacalle Pou também jogaria a Frente Ampla para a oposição, onde esteve desde sua criação, em 1971, até 2005, quando finalmente chegou ao poder, rompendo o binarismo entre “blancos” e “colorados”, com a primeira eleição do atual presidente, Tabaré Vázquez, 79.

A Frente Ampla reúne o Partido Socialista, ex-guerrilhei­ros Tupamaros e legendas menores, de trabalhado­res, além de organizaçõ­es sociais e de defesa de direitos humanos.

“Se de fato se confirmar no domingo a vitória de Lacalle Pou, a Frente Ampla sairá com saldo positivo de ter mantido o cresciment­o econômico e a estabilida­de do país por quase 15 anos”, diz o cientista político Daniel Chasquetti, da Universida­d de la República, em Montevidéu.

Uruguai vota mudança de pêndulo ideológico

Nos atos de encerramen­to de campanha, os dois candidatos foram atrás dos últimos votos que ainda não têm destino. Lacalle Pou, em Canelones, reforçou que, com a aliança feita com outros cinco partidos —entre os mais importante­s, o Colorado e o Cabildo Abierto—, terá maioria simples no Congresso.

No primeiro turno, quando

se definiu a nova Assembleia Geral, a Frente Ampla elegeu mais deputados e senadores, mas o arranjo dos partidos de oposição, se for mantida, dará maioria a essa coalizão.

Entre as principais propostas de Lacalle Pou estão modernizar a administra­ção estatal, promover mais acordos internacio­nais por meio do Mercosul, reduzir a carga impositiva dos produtores rurais e fazer mais investimen­tos em segurança — com mais policiamen­to nas ruas e uma revisão do código penal de 2017, que reduziu penas para delitos menores.

Questionad­o sobre os avanços em direitos civis, como a lei do aborto, da regulament­ação da maconha e do matrimônio igualitári­o, alcançados durante os governos da Frente Ampla, que não haverá retrocesso­s nessa área.

Já Daniel Martínez mostrouse, em seu último ato público, um pouco menos animado. No centro de Montevidéu, chegou a admitir a hipótese de ir para a oposição. Algo curioso no Uruguai, outros membros do atual governo e figuras históricas do partido vêm fazendo o mesmo, ainda que com uma diferença não tão grande entre os dois candidatos.

O ex-presidente e hoje senador José “Pepe” Mujica e o ministro da Economia, Danilo Astori, também admitiram que, caso necessário, farão parte de uma “oposição construtiv­a” ao novo governo.

Martínez, no entanto, pediu o voto dos eleitores indecisos, lembrando que o Uruguai, com a Frente Ampla, havia se transforma­do num “oásis de certezas”, devido à estabilida­de política e econômica, e que isso seria colocado em risco com a vitória do adversário.

As críticas de Martínez dirigiram-se, também, para a coalizão que Lacalle Pou lidera e que possui entre seus membros um partido de direita mais radical, o Cabildo Abierto. Este, liderado pelo ex-general Guido Manini Ríos, carrega discurso de mão de ferro contra o crime e é fortemente contrário à chamada “ideologia de gênero”.

Martínez disse, referindos­e a Manini Ríos: “Tenho medo de que terminemos como o Brasil”, fazendo referência discreta Jair Bolsonaro.

“Não está claro o que representa­rá Manini Ríos na política uruguaia ainda. Num governo de Lacalle Pou, apesar de participar da aliança, não creio que terá influência para colocar sua agenda direitista em voga”, afirma Chasquetti.

“Mas a possibilid­ade de que, nas eleições seguintes, ele tenha um músculo político mais forte para ser um presidenci­ávelviável­devesercon­siderada.”

No primeiro turno, Manini Ríos teve 10% dos votos, o que não é pouco para um novato.

Ganhe Lacalle Pou ou Martínez, o Uruguai a ser conduzido está em dificuldad­es. Não são tantas quanto as de vizinhos da região, mas o país lida com estagnação econômica, depois de crescer uma média de 4,1% entre 2003 e 2018.

A projeção de cresciment­o do PIB para este ano, de 0,6%, é pífia. Houve, também, a perda da estabilida­de fiscal, e o Uruguai termina o ano com um déficit de 5% do PIB. Num cenário assim, um dos desafios é manter certas conquistas da Frente Ampla, como a redução da pobreza de 32,5%, em 2006, para 8,1%, em 2018.

 ?? Mariana Greif - 13.nov.19/Reuters ?? O centro-direitista Luis Lacalle Pou, 46, favorito nas pesquisas intenções de voto, durante debate antes do segundo turno
Mariana Greif - 13.nov.19/Reuters O centro-direitista Luis Lacalle Pou, 46, favorito nas pesquisas intenções de voto, durante debate antes do segundo turno
 ?? Eitan Abramovich - 13.nov.19/AFP ?? O candidato centro-esquerdist­a Daniel Martínez, 62, da Frente Ampla, partido que está no poder no Uruguai desde 2005
Eitan Abramovich - 13.nov.19/AFP O candidato centro-esquerdist­a Daniel Martínez, 62, da Frente Ampla, partido que está no poder no Uruguai desde 2005

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