Folha de S.Paulo

Volta à carga

Projeto que amplia garantias a militares que matem em ações de policiamen­to interno deve ser rejeitado

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Sobre garantias a militares que matem em serviço.

A defesa de uma política linha-dura na segurança pública foi tema de destaque na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, que consagrou o famigerado gesto de mimetizar armas com os dedos das mãos.

Parte do incentivo ao confronto armado contra criminosos, o chamado excludente de ilicitude foi defendido pelo então candidato como peça indispensá­vel em suas diretrizes para o setor.

A expressão diz respeito a um dispositiv­o, contemplad­o no Código Penal, que exime de punição quem provoque morte de outra pessoa em determinad­as circunstân­cias, como legítima defesa ou cumpriment­o estrito de dever legal.

No caso, o intuito de Bolsonaro era ampliar as garantias legais oferecidas a policiais que venham a matar durante o serviço.

Não se discute que o trabalho de agentes de segurança envolve ameaças e riscos extremos, que precisam ser levados em conta pela legislação. Ocorre que já o são, não havendo justificat­iva clara para ampliações que podem favorecer a impunidade e o arbítrio.

Não foi por outra razão que criminalis­tas respeitado­s se manifestar­am contra a proposta, incluída pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, em seu pacote anticrime. O mesmo entendimen­to manifestou­se no Congresso, que derrubou o mecanismo defendido pelo governo —de resto passível de questionam­ento no âmbito jurídico.

Agora, o Executivo volta à carga, com uma diferença: procura aplicar a medidas a policiais e às Forças Armadas, quando mobilizado­s para as Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Projeto enviado à Câmara assume esse objetivo.

Cabe considerar que as excessivas requisiçõe­s do Exército para exercer papel de polícia geraram situações preocupant­es para a imagem da instituiçã­o. Sua missão precípua, consagrada pela Constituiç­ão, é a defesa nacional, não o combate a traficante­s no contexto urbano, em geral em bairros e regiões mais pobres.

Além de fugazes em seus resultados, tais operações já provocaram reações imprudente­s e excessivas por parte dos militares. O episódio mais chocante foi a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos, em abril, no Rio, após o carro em que estava com sua família ter sido alvejado por mais de 250 disparos.

Havendo ou não a intenção de endurecer a ação das Forças Armadas na repressão interna, a nova proposta é inapropria­da e merece ser rejeitada pelos congressis­tas.

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