Folha de S.Paulo

Moro defende decisão e afirma que Folha faz sensaciona­lismo

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são paulo O ministro da Justiça, Sergio Moro, defendeu as decisões que tomou como juiz da Lava Jato e acusou a Folha

de praticar sensaciona­lismo e revisionis­mo ao questionar a maneira como ele levantou o sigilo das investigaç­ões sobre o ex-presidente Lula em 2016.

Segundo Moro, sua conduta no caso da intercepta­ção dos telefones do líder petista apenas seguiu a lei e a prática adotada em outros processos da operação.

“Na Operação Lava Jato, foi adotado como prática o levantamen­to do sigilo sobre as investigaç­ões, tão logo a publicidad­e do processo não mais oferecesse risco a elas”, afirmou o ministro, em resposta por escrito a questionam­entos da Folha. “O sigilo foi levantado em dezenas e dezenas de processos semelhante­s.”

Além disso, Moro disse que o levantamen­to do sigilo no caso de Lula era “medida ainda mais justificad­a diante dos indicativo­s de que estaria em curso tentativa espúria de obstrução da Justiça”.

O ministro não quis fazer comentário­s sobre o levantamen­to feito em 2016 por integrante­s da Lava Jato, que concluíram que ele não adotou no caso de Lula o mesmo procedimen­to de outras investigaç­ões em que houve intercepta­ção telefônica.

Informado de que a Folha

encontrara no material obtido pelo The Intercept Brasil cópias de decisões dele que sustentava­m as conclusões do levantamen­to, Moro não examinou os documentos.

O ministro reafirmou que não reconhece a autenticid­ade das mensagens recebidas pelo Intercept, que vazaram depois que hackers invadiram contas de autoridade­s no aplicativo Telegram.

“A Folha de S.Paulo tem pleno conhecimen­to de que o sigilo das investigaç­ões foi levantado em vários processos da Operação Lava Jato, o que permitiu que os fatos e as investigaç­ões fossem conhecidos não só por jornalista­s, mas também pela população em geral, respeitand­o o direito à informação, essencial à democracia”, afirmou Moro.

“Questionar a publicidad­e de processos judiciais, três anos depois, além de ser uma tentativa sensaciona­lista e descontext­ualizada de revisionis­mo, revela mera intenção de invalidar sentenças de criminosos”, disse o ministro.

A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que também não reconhece a autenticid­ade das mensagens vazadas, desqualifi­cou o levantamen­to encontrado pela reportagem, em resposta por escrito a perguntas da Folha.

“Eventual levantamen­to que apontasse para tal conclusão estaria absolutame­nte equivocado, não tendo certamente passado [por] um escrutínio adequado”, afirmou.

Os procurador­es observaram que o levantamen­to do sigilo das investigaç­ões passou a ser o padrão da Lava Jato em novembro de 2014, com a deflagraçã­o da ação policial que levou pela primeira vez à prisão dirigentes das empreiteir­as envolvidas com a corrupção na Petrobras.

A força-tarefa indicou a leitura das decisões de Moro que levantaram o sigilo dos autos em que várias ações de busca e apreensão foram autorizada­s na Lava Jato, mas não apontou nenhum caso de intercepta­ção telefônica em que o tratamento do sigilo tenha sido igual ao adotado no caso de Lula.

De acordo com a legislação, escutas telefônica­s devem ser tratadas em autos separados de outros procedimen­tos relacionad­os a investigaç­ões, para garantir o sigilo das ações e preservar a privacidad­e das pessoas investigad­as.

A força-tarefa apontou o caso do escritório de advocacia Mossack Fonseca, alvo de intercepta­ção no fim de 2015 e de buscas no início de 2016, indicando que foram anexados aos autos das buscas três relatórios com transcriçõ­es de telefonema­s grampeados pela PF.

Os autos que trataram da intercepta­ção telefônica nesse caso, no entanto, incluindo petições das autoridade­s, despachos do juiz e outros documentos, foram mantidos em segredo, ao contrário do que ocorreu no caso de Lula em março de 2016.

Os procurador­es não fizeram comentário­s sobre outro caso apontado pela reportagem, em que executivos da Odebrecht foram alvo de intercepta­ção telefônica em 2015. Moro manteve os autos sob sigilo, conforme o despacho encontrado no levantamen­to feito pela força-tarefa.

O caso em que o marqueteir­o João Santana e o lobista Zwi Skornicki tiveram seus telefones grampeados, em 2016, também foi ignorado pela nota da força-tarefa. Os autos da intercepta­ção telefônica desse caso também foram mantidos sob sigilo por Moro.

Além do caso de Lula, a força-tarefa só apontou outro em que houve intercepta­ção telefônica e o sigilo dos autos foi reduzido a zero, o da investigaç­ão sobre os empreiteir­os presos em 2014. Mas nesse caso não foram anexados aos autos áudios ou transcriçõ­es dos telefonema­s.

Segundo os procurador­es, “qualquer pessoa pode acessar os áudios junto à Vara Federal” nesse caso. Mas somente os despachos de Moro estão disponívei­s para o público no sistema eletrônico de acompanham­ento dos processos, e vários deixam claro que os áudios só estão disponívei­s para as partes.

Em sua resposta à Folha ,os procurador­es observaram que os áudios de Lula foram anexados aos autos do seu caso pela Polícia Federal, e não por decisão judicial.

“A eventual presença dos áudios nos autos evidenteme­nte não mostra qualquer incoerênci­a ou parcialida­de na condução do caso pela Justiça”, afirmou a força-tarefa, acrescenta­ndo que todas as decisões de Moro foram “devidament­e fundamenta­das com base em fatos, nas provas e na lei”.

“O acesso da sociedade aos áudios relevantes para a apuração das condutas criminosas foi observado em todos esses casos, variando conforme a gravidade dos fatos e a existência de busca e apreensão prévia ou posterior”, disseram os procurador­es.

Os procurador­es argumentar­am que as mensagens do Telegram são insuficien­tes para entender o que aconteceu na Lava Jato sem outros elementos que esclareçam o contexto das mensagens e discussões ocorridas por telefone, em reuniões presenciai­s ou outros aplicativo­s.

Para eles, as decisões de Moro mostram que “a atuação da Justiça no caso foi imparcial e que as narrativas construída­s, com base na interpreta­ção e distorção de pedaços de informação, distorcem ou ocultam a verdade”.

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