Folha de S.Paulo

Fake news na mira

É difícil identifica­r conteúdo falso, e combatê-lo pode dar em censura

- Flavia Lima

Na segunda (18), manchete da Folha apontou que, de olho nas eleições municipais de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) propõe regulament­ação para tentar conter as chamadas fake news.

A medida em discussão pretende punir o candidato, o partido ou a coligação que compartilh­ar informação falsa durante a campanha.

A ideia é que as informaçõe­s sejam checadas antes de divulgadas e, em caso de contestaçã­o, que seja provado o uso de fontes de “notória credibilid­ade”. Caso contrário, quem se sentiu ofendido pode pleitear direito de resposta, além de responsabi­lização penal.

Controvers­o, o termo fake news é amplamente usado. Mas, se não é fácil definir o que é fake news, imagine combatê-la de forma eficiente.

Reportagen­s que desagradam, erros em matérias, títulos descalibra­dos e até colunas de opinião levam esse nome, embora não sejam fake news.

Fake news são conteúdo falso. É uma mentira com aparência de verdade que mimetiza a forma da notícia. Para isso, lança mão da linguagem jornalísti­ca e busca popularida­de nas redes sociais.

Um aspecto crucial é saber diferenciá-la dos erros cometidos pela imprensa.

Diferentem­ente da notícia, as fake news são produzidas anonimamen­te e buscam induzir a erro para obter vantagem econômica ou política.

Uma Redação profission­al é alvo da cobrança do público e pode ser responsabi­lizada. Quem são os autores de fake news? Não se sabe e, portanto, deles nada pode ser cobrado.

A despeito dessa diferença, o presidente não perde a chance de acusar a grande imprensa de produzir fake news.

Na quarta (20), Jair Bolsonaro criticou a Folha por mostrar que o orçamento do Bolsa Família para este ano é insuficien­te para pagar o 13º aos beneficiár­ios do programa.

Em vez de dizer à sociedade de onde sairá o dinheiro para o pagamento, o presidente partiu para o ataque. “Suspendi minha assinatura e muitos empresário­s têm cancelado contratos publicitár­ios nesse jornal campeão de fake news e desinforma­ção”, disse.

Na quinta (21), o presidente criticou matéria da Folha sobre honraria recebida pelo cunhado da apresentad­ora Ana Hickmann. Gustavo Corrêa recebeu uma medalha por matar a tiros um homem que atacou a sua família.

Sem entrar no mérito da premiação, a linha fina do texto (a frase logo abaixo do título da matéria) dizia: “Indicado por Eduardo Bolsonaro, empresário Gustavo Corrêa matou fã de Hickmann em hotel de Belo Horizonte após emboscada”.

Como bem disse um leitor, a frase insinua que Corrêa armou emboscada para matar um fã da cunhada e, por isso, foi indicado pelo deputado para receber a maior honraria da Câmara—o que não procede.

Ainda assim, não é possível dizer que o jornal produziu fake news. Houve erro (corrigido) na construção da frase.

Na mesma semana, um artigo do deputado federal Hélio Lopes (PSL) deixou leitores estupefato­s por negar o racismo da sociedade brasileira com base em distorção de fatos históricos.

Diante do saudável exercício de abrir espaço para opiniões divergente­s, a imprensa tem dado visibilida­de a personalid­ades que cumprem o papel de transforma­r desinforma­ção em “argumento racional”.

O artigo de opinião é passe livre para mentira e imprecisão? Não é. Nem por isso pode ser considerad­o fake news.

O texto foi publicado num jornal cujo endereço é conhecido, os leitores podem contestálo e exigir direito de resposta.

Em outro episódio, a Folha foi acusada de falsificaç­ão ao ilustrar com foto de um protesto pró-Evo Morales em São Paulo (cuja legenda dizia isso) reportagem sobre opositores do ex-presidente boliviano.

O jornal reconheceu a falha na edição e promete novo texto.

O fato é que a imprensa não tem o monopólio da verdade. Ela erra e desinforma. A questão é que, quando isso acontece, a sociedade tem meios para cobrar as correções.

No caso de conteúdo fraudulent­o, não há espaço para contestaçã­o dos acusados nem correção de erros —mesmo porque o erro é proposital.

Durante a campanha presidenci­al, circulou um vídeo que mostrava uma mamadeira com bico em formato de pênis e que seria distribuíd­a nas creches paulistana­s em iniciativa do ex-prefeito Fernando Haddad —esse, sim, um caso clássico de fake news.

O TSE determinou a retirada do vídeo. Nesses casos, como fica o direito de resposta? Em que plataforma ele se dará? Qual será o seu alcance?

Tudo isso para dizer que a tarefa a que o TSE se propõe é mais complexa do que parece.

A proposta deixa nas mãos do juiz dizer o que é fonte “de notória credibilid­ade”, abrindo espaço para arbitrarie­dades.

Além disso, há a dificuldad­e de identifica­r o que é fake news e, na tentativa de combatê-la, o risco de confusão e censura não deve ser desprezado.

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Carvall

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