Folha de S.Paulo

Orientado por Lula, PT ajusta discurso e aposta em PIB frágil sob Bolsonaro

Partido questionar­á qualidade dos empregos, alta da desigualda­de social e relação com os EUA

- Fábio Zanini

são paulo A perspectiv­a de algum cresciment­o econômico a partir de 2020 fez o PT ajustar o discurso crítico ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A legenda agora concede que vem aí uma retomada, ainda que modesta, mas passou a centrar fogo na qualidade dos empregos gerados e na aposta de que a melhora do ambiente econômico será sentida por apenas uma parcela da população, o que deve contribuir para o aumento da desigualda­de social.

Como sempre ocorre no partido, a senha foi dada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda de dentro da prisão.

Mais do que a crítica à Operação Lava Jato e à pauta conservado­ra do governo, a prioridade da sigla será a questão econômica.

Ao deixar a prisão, no último dia 8, após 580 dias preso, o ex-presidente bateu duro na situação econômica, sobretudo nos empregos precários que vêm sendo gerados, simbolizad­os na imagem de entregador­es de pizza que trabalham para aplicativo­s.

Também falou sobre a entrega do patrimônio público brasileiro pelo governo.

“Pode haver algum cresciment­o, mas seu efeito não chega à porta da casa do trabalhado­r. Vai ser muito concentrad­o numa determinad­a faixa da população, mais favorecida”, diz o exprefeito paulistano Fernando Haddad (PT), que disputou a eleição presidenci­al de 2018 contra Bolsonaro.

Em documento econômico lançado em agosto, quando a retomada ainda era menos comentada por analistas, o PT já esboçava um discurso nessa linha.

“Ainda que a atual equipe econômica possa produzir melhoras pontuais nas expectativ­as empresaria­is e alguma recuperaçã­o episódica, não será capaz de construi um ciclo sustentáve­l de investimen­tos e um novo modelo de desenvolvi­mento socialment­e inclusivo”, diz trecho do Plano Emergencia­l de Recuperaçã­o de Emprego e Renda,

lançado pelo diretório nacional petista.

As previsões de analistas são de que o cresciment­o do PIB em 2020 fique de 2% a 2,5%, puxado pelas taxas de juros em seu piso histórico. Juros baixos tendem a favorecer o consumo e a desestimul­ar que o dinheiro seja aplicado em investimen­tos.

Isso não se reflete imediatame­nte no nível de pessoas ocupadas, contudo, e o próprio Bolsonaro foi comedido ao estabelece­r uma meta para esse ponto até o final de seu mandato. Disse que quer chegar a 2022 com menos de 10 milhões de desemprega­dos no país (são atualmente 12,8 milhões).

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), afirma que o eventual cresciment­o previsto para 2020 não será sustentáve­l. “O Brasil pode até viver um processo de cresciment­o, mas será de estilo voo de galinha.”

“Os empregos que estão sendo criados são extremamen­te precários. Têm baixa remuneraçã­o e quase nenhum direito. Isso termina não trazendo o sentimento de melhora para população”, diz o senador.

A aposta do partido é que o componente nacional será forte na eleição municipal de 2020, polarizada nas figuras de Bolsonaro e Lula.

Nesse cenário, a situação econômica acabará se impondo como o tema principal da campanha.

Outro ponto a ser abordado pelos petistas é rotular a agenda do ministro Paulo Guedes (Economia) de ultraliber­al e vinculá-la a um processo de destruição do setor público e vassalagem aos interesses americanos.

Embora pareça um discurso um tanto embolorado, pode ter apelo num momento em que Bolsonaro se alia fortemente ao presidente americano, Donald Trump.

“É hora de deixar claro que isso aqui está virando um quintal dos EUA”, afirma Fernando Haddad.

O documento econômico que foi lançado em agosto trata do tema. “As reformas ultraliber­alizantes e a ortodoxia fiscal da gestão Guedes-Bolsonaro estão desmontand­o e compromete­ndo estruturas fundamenta­is para o desenvolvi­mento da indústria e da economia brasileira”, diz o texto.

O texto cita como exemplos desse suposto desmonte a ameaça de privatizaç­ão de bancos públicos, a aprovação do acordo entre Embraer e Boeing e o abandono de instrument­os de defesa comercial, entre outros pontos.

Para o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (SP), a política econômica de Bolsonaro é simbolizad­a pela meta de corte do desemprego, que ele chama de “pífia”.

“Um governo que estabelece como meta terminar o governo com 10 milhões de desemprega­dos não tem credibilid­ade”, declara. “Previram crescer 2,5% este ano e não vão conseguir. Agora estão jogando para o ano que vem”, diz Padilha.

A previsão de analistas, registrada na última edição do boletim Focus, do Banco Central, é de cresciment­o de 0,92% para 2019.

Segundo o ex-ministro, o PT vai se concentrar nos próximos meses nos temas do emprego e do sofrimento das pessoas, além de insistir na falta de preparo da equipe econômica.

“O Guedes a cada dia vem com uma coisa nova, e o Bolsonaro muda todas as medidas que ele apresenta”, diz.

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Eduardo Knapp - 9.nov.19/Folhapress O ex-presidente Lula discursa em São Bernardo do Campo (SP)

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