Folha de S.Paulo

Mentiras sociais sobre dólar e emprego

Pelo valor real da moeda, custo salarial do Brasil não era tão baixo desde 2005

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

A economia foi motivo de raro interesse “pop” quando o dólar foi a R$ 4,20. O preço da moeda americana se tornou mais uma causa das rinhas de galo nas redes insociávei­s. Houve manipulaçõ­es e torcidas também com os números do emprego formal e da fuga de dólares, um caso sendo sinal de “melhora da economia” e outro de “decepção” —não é bem assim.

Tuítes e outros piados avacalhava­m tal ou qual presidente por causa do valor nominal do dólar durante seu governo, o que é no fundo besteira, mas pode revelar sintomas. Tudo mais constante, a desvaloriz­ação da moeda nos deixa mais pobres. Quão pobres?

É fácil perceber que os R$ 4 e quebrados que compram um dólar hoje valem menos que os R$ 4 de 2002. Houve inflação, certo? Mas, feitas as várias contas adequadas para medir a taxa real de câmbio, onde estamos? Em algum lugar perto de 2005.

Quer dizer, levados em conta fatores como o valor das moedas e das inflações dos países

com os quais comerciamo­s e/ ou o valor dos salários brasileiro­s em moeda estrangeir­a (e considerad­a a produtivid­ade), a taxa real de câmbio anda parecida com a de 2005. Produzir no Brasil não estava tão barato fazia tempo assim, se a medida de custo é salário.

A partir de 2006, sob Lula 2 e Dilma 1, até o colapso de 2015, haveria grande valorizaçã­o real da moeda brasileira, tanto quanto nos anos de “populismo cambial” tucano da primeira fase do Real (1994-99). Dizia-se nos dois períodos que o

“Brasil estava caro”, que havia “Bolsa Miami”, que a coisa era insustentá­vel (era mesmo) etc.

O real está barato porque a taxa de juros está em nível historicam­ente baixo, sem artifícios. Esse também é um motivo da grande saída de dólares do país. Até outubro, o saldo negativo foi a quase US$ 41 bilhões em 12 meses (a conta considera a diferença de entradas e saídas de dinheiro no comércio exterior e em operações financeira­s).

Em termos relativos (ao tamanho da economia, por exemplo), não se via tal coisa desde o pânico da primeira eleição de Lula, em 2002. Mas não há pânico agora. Há mudança histórica nos juros e depressão histórica do PIB (Produto Interno Bruto).

Pelas operações financeira­s, sai uma dinheirama sem parar desde 2013. Por que o dinheiro foi e vai? Porque: 1) o país não cresce; 2) é um tumulto político faz seis anos; 3) as empresas pagaram dívidas em dólar (ao menos até meados do ano); 4) juro baixo não atrai capital; 5) o juro pode cair ainda e o real se desvaloriz­ar algo mais; 6) não há certeza de calmaria política nem de retomada econômica em 2020.

Além da queda do saldo do comércio externo (vendemos menos e mais barato), desde o início do ano os exportador­es têm deixado parte cada vez maior do dinheiro de suas vendas em contas no exterior, provavelme­nte também pelos motivos listados acima.

Enfim, na torcida da numeralha houve também o caso do emprego formal. Feitas as contas certas, que permitem a comparação de dados recentes (“dessazonal­ização”), houve discreta melhora no trimestre encerrado em outubro —mantido esse ritmo, é razoável esperar que o país cresça mais em 2020.

No entanto, desde novembro do ano passado o cresciment­o do número de empregos com CLT continua em torno da miséria de 1,4% ao ano. Nesse ritmo, apenas em 2023 o número de empregos formais voltaria ao nível recorde de 2014.

Por enquanto, em suma, apenas pulamos o brejo da recaída da recessão, risco de meados do ano. Ainda estamos crescendo a 1% ao ano, com perspectiv­as de 2% em 2020.

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