Folha de S.Paulo

Argentina busca consenso para compor novo ministério

Futuros presidente e vice tentam reunir grupo capaz de criar aliança nacional

- Sylvia Colombo

montevidéu Já se aproxima o dia 10 de dezembro, quando se dará a posse do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, mas a cúpula de seu governo continua envolta em mistério.

Uma fonte ligada ao comando da equipe de transição afirma que Fernández está armando sozinho o gabinete ministeria­l, mas a quantidade de reuniões que têm sido feitas, a portas fechadas, no apartament­o da vice eleita, Cristina Kirchner, em Buenos Aires, são muitas. Nelas, Fernández entra mudo e sai calado, sem revelar nomes.

Uma coisa, porém, está clara. Assim como o atual presidente, Mauricio Macri, Fernández prefere trabalhar com uma equipe econômica, em vez de escolher um “superminis­tro” —algo que gera calafrios nos argentinos, que ainda se lembram do exministro da Economia Domingo Cavallo e o seu famoso “corralito”.

O curralzinh­o, em português, impôs restrições a saques, em 2001, para evitar fuga de recursos, o que levou a uma rebelião popular com 33 mortos e desencadeo­u a queda do então presidente, Fernando de la Rúa.

Segundo fontes próximas a Fernández e sua equipe de transição, os nomes mais cotados para compor esse grupo seriam Matías Kulfas, que liderou a equipe econômica durante a campanha eleitoral e agora, na transição, Guillermo Nielsen e Miguel Pesce.

Kulfas, que foi gerente do banco central de 2012 a 2013, goza de muito respeito deFernán dez e estaria entre assumira pastada Fazenda e ade Produção. Era próximo do expresiden­te Néstor Kirchner (1950-2010) eéa favor de uma intervençã­o moderada do Estado na economia.

É dele, por exemplo, a ideia de formar um grande acordo nacional entre empresário­s, produtores, distribuid­ores e sindicatos para que se crie um compromiss­o de não aumentar preços e conter a inflação por meio de congelamen­tos, enquanto as demais medidas, a serem definidas, não surtem efeitos.

Já Guillermo Nielsen, outro candidato a assumira pasta da Fazenda, tem um perfil liberal e agrada mais aos integrante­s do mercado financeiro. Porém, não é tão bemvisto por Cristina Kirchner —e aí estaria o principal desacordo com relação aseu nome. Ni elsenjáf oi secretário de Finanças no Ministério da Economia, entre 2002 e 2005.

A indicação para o banco centra lé mais consensual. O principal candida toé Miguel Pesce, que foi vicepresid­ente da instituiçã­o de 2004 a 2015. Nãoékirchn­eris tanem ma crista, masv in cula doàUCR(Un ião Cívica Radical), partido tradiciona­l argentino que foi da base de apoio de Macri.

Fernández já afirmou também que o Ministério do Trabalho —que foi reduzido a uma secretaria no governo Macri e absorvido pelo Ministério da Produção— voltará a ter esse status e ganhará peso para dividir decisões com a equipe econômica.

O nome que tem mais apoio para ocupar o cargo é o advogado Claudio Moroni, que atuou em diferentes áreas nos governos kirchneris­tas, incluindo na Receita Pública e na Seguridade Social. A avaliação é que um dos seus principais atributos é ter um bom canal de diálogo com os sindicatos.

Numa divisão bem geral das tarefas, a equipe de transição de Fernández prevê que a pasta da Fazenda deverá centrar esforços, logo de início, na renegociaç­ão da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacio­nal) —contando com palavras encorajado­ras de sua nova diretora-gerente, Kristalina Georgieva.

Apesar de seguir cobrando medidas de austeridad­e para o ajuste fiscal, ela já disse a Fernández que compreende a urgência de ações para conter a pobreza no país.

Já o banco central terá de reajustar a política de juros altos, que sofre críticas por ser um dos elementos que inibem a retomada do consumo.

A pasta de Produção ficará com a tarefa de reativar a economia, em especial os setores de construção e da indústria, que são geradores de empregos, mas estão estagnados.

O jogo de xadrez para montar o ministério não parece tão grave quanto a situação argentina de um modo geral.

Fernández assume uma economia estancada, com uma inflação de mais de 55% ao ano, o desemprego em dois dígitos e 34% da população na pobreza. O risco-país está nas alturas, e os controles cambiais impedem a entrada de dólares no país (só podem ser comprados US$ 200 por mês).

Um ponto que vem incomodand­o os produtores agropecuár­ios é que Fernández já disse que uma das medidas que pretende tomar é voltar a cobrar impostos das exportaçõe­s de produtos do campo.

“Eu adoraria não ter de cobrar isso, mas Macri me deixará cinco ou seis pontos de déficit. Para melhorar os ingressos, em parte tenho de fazer crescer a economia, mas, por outro lado, só posso fazer isso aumentando alguns impostos. É necessário um compromiss­o para o aporte de todos”, disse, em entrevista recente a um veículo local.

Essa política de compartilh­ar os problemas econômicos da sociedade se materializ­a em especial com o Conselho da Fome, já formado por Fernández e cuja proposta é reunir, em doações e compromiss­os de distintos setores da sociedade, mais de 40 bilhões de pesos para garantir uma ajuda imediata para as famílias mais carentes.

Esse conselho está apadrinhad­o por figuras do showbiz, que ajudarão a fazer a campanhas na mídia, como o empresário e apresentad­or Marcelo Tinelli.

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