Folha de S.Paulo

Quadrilha tira R$ 5 mi de mulher em esquema com sede falsa da PF

Empresária de Rio Claro (SP) pagou a grupo para tentar se livrar de falsas prisões

- Rogério Pagnan

são paulo O coração da empresária Sueli Maluta, 69, acelerou ao ver o símbolo da Polícia Federal fixado no local ao qual foi levada para uma reunião, no início de 2016, em Piracicaba. Passava mal só de pensar na hipótese de ser presa e, por isso, aceitou pagar os R$ 800 mil solicitado­s para que fossem resolvidas pendências criminais contra ela.

Só tempos depois ela viria a descobrir que o cenário era falso. Tratava-se de mais uma das supostas trapaças sofridas por ela em esquema que envolveu ao menos oito pessoas (entre policiais, advogados e empresário­s), durou cerca de três anos e conseguiu tirar dela cerca de R$ 5 milhões.

Seis pessoas foram condenadas pela Justiça em setembro por participaç­ão no esquema. As penas variam de 2 a 28 anos de prisão. Todos se declaram inocentes e recorrem em liberdade da decisão de primeira instância. A Promotoria também recorre para aumentar a pena.

O imbróglio vivido pela empresária de Rio Claro (SP) teve início, conforme ela contou à Justiça em um acordo de delação premiada, em julho de 2014, quando recebeu visita do investigad­or de polícia André Luís Barbalho de Toledo.

O policial disse que o delegado Marcos Garcia Fuentes, então integrante da cúpula da Polícia Civil da cidade e que conduzia inquéritos contra Sueli, investigad­a por sonegação fiscal, solicitava R$ 100 mil para beneficiá-la.

Sueli disse à Justiça que acredita ter pago, em 12 meses, algo próximo de R$ 400 mil a Fuentes. Tornou-se íntima do delegado e aceitou dele indicação para contratar o advogado Marcelo Aith e, também, para receber conselhos do empresário Cristiano Sorano, dono de lojas de veículos.

Em setembro de 2015, ela também conheceu outras pessoas indicadas por essas novas amizades, o também advogado Alcyr Menna Barreto de Araújo Filho, ex-promotor de Justiça (exonerado), e os “abridores de portas” Carlos Eduardo Guimarães Marques e Almir Aparecido dos Santos.

Segundo a sentença, Aith e outro investigad­o no processo (Mário Rogério dos Santos, absolvido) disseram a Sueli que um rapaz a levaria à sede da Polícia Federal em Piracicaba, onde “as coisas poderiam ser ajeitadas”.

“Foi levada em um local em que havia um brasão da Polícia Federal, mas posteriorm­ente soube que não era a Polícia Federal”, disse Sueli à Justiça. “Nessa ocasião, Carlos Eduardo pediu R$ 800 mil para ‘resolver tudo’.”

Sueli continuou realizando outros pagamentos ao longo do tempo até que, no início de 2017, foi levada a um hotel com a promessa de que iria conversar pessoalmen­te com um promotor, primo de Carlos Eduardo. Era outro engodo. Ela acabou assinando um contrato no valor de R$ 3,8 milhões, que incluía imóveis da família estimados em R$ 2,5 milhões.

As supostas extorsões sofridas por Sueli só foram descoberta­s porque em 17 de julho de 2017 ela foi, de fato, alvo de uma operação do Gaeco por sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Na busca e apreensão, os promotores encontrari­am indícios da extorsão. Presa, Sueli fez o acordo de delação premiada.

De acordo com a sentença de Caio Cesar Ginez Almeida Bueno, há provas que corroboram a versão de Sueli. “Verifica-se que Sueli não pode ser definida apenas como uma velhinha indefesa, tampouco apenas como uma criminosa astuta. Sueli é uma pessoa complexa, com seus próprios traços de personalid­ade e peculiarid­ades”, escreveu o juiz.

O promotor André Camilo Castro Jardim, integrante do grupo que investigou o esquema, afirma nunca ter visto algo parecido com que foi descoberto em Rio Claro, dada “a estrutura e sofisticaç­ão do esquema, envolvendo agentes públicos, advogados, empresário­s”.

O delegado Fuentes foi condenado a nove anos Procurado, o advogado dele, Flaminio de Campos Barreto Neto, disse que seu cliente nega as acusações e diz que vai recorrer para reverter a decisão em primeira instância.

O advogado Marcelo Aith, condenado a 28 anos de reclusão, diz que todas as acusações contra ele são mentiras criadas por Sueli com o objetivo de se livrar da prisão e dos processos criminais.

O ex-promotor Alcyr Menna Barreto de Araújo Filho , condenado a quatro anos e oito meses , diz que não há no processo qualquer prova que seja suficiente para comprovar qualquer prática delituosa.

O empresário Cristiano Sorano De Lima foi condenado a 27 anos de reclusão. Seu advogado Giordano Roberto do Amaral Reginatto, não respondeu aos recados deixados.

O consultor Carlos Eduardo Guimarães Marques foi condenado a 22 anos e dois meses de reclusão. O advogado Alberto Zacharias Toron disse que vai recorrer da decisão.

Almir dos Santos foi condenado a 17 anos e três meses de reclusão. O advogado dele, João Carlos Cazú, não respondeu a recado deixado.

André Luis Barbalho de Toledo foi condenado a dois anos e oito meses de reclusão. A Folha não conseguiu contato com ele ou com sua defesa.

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