Folha de S.Paulo

Documentár­io desconstró­i imagem de guru da ioga acusado de assédio sexual

Bikram Choudhury, que prometia saúde e corpos perfeitos, virou mote de nova produção da Netflix

- Fernanda Ezabella

los angeles Usando apenas uma sunga preta cavada e um relógio dourado Rolex, o indiano Bikram Choudhury conquistou Los Angeles nos anos 1970. Ele trazia a promessa de saúde e corpos perfeitos, pregando uma série de posições de ioga em um estúdio aquecido em altas temperatur­as. Suas classes estavam sempre lotadas e seus alunos suavam em bicas.

Considerad­o um dos mais famosos iogues do mundo, Bikram chegou a ter mais de 1.500 estúdios com o seu nome em diversos países. Sua ascensão meteórica e sua queda em câmera lenta, ainda em processo, estão no documentár­io “Bikram: Yogi, Guru, Predador”, da Netflix.

Desde 2017, o indiano é considerad­o fugitivo nos Estados Unidos, onde foi condenado a pagar mais de US$ 7 milhões (cerca de R$ 29 milhões) para sua ex-assessora jurídica.

Ao fugir, ele se livrou também de acusações de estupro e assédio sexual de dezenas de ex-alunas. Ainda assim, segue dando aulas para professore­s de ioga mundo afora, em países como México e Espanha em meses recentes.

“Ele se safou”, disse a diretora australian­a Eva Orner no AFI Fest, evento do American Film Institute em Los Angeles. “Um dos objetivos do filme é fazer com que as pessoas mudem o nome de seus estúdios de ioga e parem de fazer seus treinament­os e ir a suas aulas. Quem quer ser associado a um estuprador?”

O filme é feito com 60% de imagens de arquivo, muitas com Bikram em ação, de rabinhodec­avaloemicr­ofonesem fio, fazendo piadas graciosas ou politicame­nte incorretas.

Na década de 1990, ele lançou um programa de treinament­o de US$ 10 mil (R$ 42 mil) para professore­s, em que todos os participan­tes, incluindo Bikram, ficavam hospedados num hotel por nove semanas. Foi quando começaram os abusos, segundo suas vítimas.

Orner, ganhadora do Oscar por produzir o documentár­io “Um Táxi para a Escuridão”, de 2007, disse que as filmagens de “Bikram” começaram antes da explosão do movimento #MeToo e das acusações contra Harvey Weinstein, em 2017.

“É preciso pôr em contexto, porque antes do #MeToo as pessoas não eram solidárias. As vítimas de Bikram não eram famosas, não tinham uma plataforma. Elas perderam tudo, sua comunidade, seus amigos, seu emprego”, disse a diretora. “São as minhas heroínas.”

A primeira vítima de abuso sexual, Sarah Baughn, estava na sessão do filme e afirmou que ficou tão traumatiza­da que acabou internada. “Foi difícil entender que no fundo eu fazia parte de um culto”, disse Baughn.

O documentár­io lembra a série “Wild Wild Country”, além de outros casos de abuso na comunidade da ioga e curandeiro­s afins. “É um fenômeno estranho, esse do guru”, diz Orner. “Essas pessoas dão soluções aos seus alunos, seja curando uma doença, um vício ou trauma. Há adulação, eles são admirados e isso traz poder. Em situações assim, há espaço para abuso.”

A diretora não pratica ioga, mas para entender o universo fez diversas aulas de “ioga quente”, como foram rebatizado­s os estúdios que retiraram Bikram de seus nomes. “Preciso dizer que me senti fantástica, principalm­ente os meus joelhos e ombros, que estavam bem debilitado­s”, diz. “Mas depois de fazer o filme, não vou incorporar à minha vida.”

Bikram: Yogi, Guru, Predador

EUA, 2019. Direção: Eva Orner. 14 anos. Disponível na Netflix

 ?? Divulgação ?? Bikram Choudhury em cena do documentár­io ‘Bikram: Yogi, Guru, Predador’
Divulgação Bikram Choudhury em cena do documentár­io ‘Bikram: Yogi, Guru, Predador’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil