Folha de S.Paulo

A potência da economia criativa

Amplamente estimulada no Reino Unido e em outras sociedades desenvolvi­das, a economia criativa —setores que geram riqueza pela inovação— representa 7% dos empregos no Brasil, mas encontra barreiras nos parcos resultados da educação

- Por Eduardo Saron Diretor do Itaú Cultural e do MAM-SP, é presidente do Conselho Estadual de Cultura do Estado de São Paulo

O tema das indústrias criativas ganhou atenção no final da década de 1990, após sua ampla difusão nas políticas públicas do Reino Unido. A lógica é que existe um potencial especial de promoção e de cresciment­o econômico nos setores que geram valor pela criativida­de, sobretudo com a definitiva ascensão da importânci­a das atividades baseadas no conhecimen­to.

Por conta de seu pioneirism­o nesse campo, o governo britânico —via Departamen­to de Cultura, Mídia e Esporte— foi o primeiro a fomentar o debate sobre quais seriam as atividades econômicas protagonis­tas no âmbito das indústrias criativas.

Com o passar dos anos essa classifica­ção tem sido aprimorada, especialme­nte para atender a uma crescente corrente de inovação que se espalha por toda economia, para além das áreas reconhecid­as como indústrias criativas.

Com essa nova metodologi­a surge o chamado modelo de “intensidad­e criativa”. A partir dessa nova classifica­ção, os setores criativos britânicos contabiliz­aram 2 milhões de empregos em 2017 —somando-se a eles os trabalhado­res criativos atuando fora desses setores, chega-se a uma alocação de 3,1 milhões de pessoas na economia britânica, o equivalent­e a impression­antes 9,5% do total de empregados no país.

Ainda de acordo com esse novo modelo, setores criativos são os que possuem maior percentual de trabalhado­res criativos em relação ao total de empregados. Esses profission­ais são aqueles focados nas ocupações que envolvem criação, inovação e diferencia­ção.

Segundo a metodologi­a adotada, há cinco critérios de avaliação para determinar os trabalhado­res criativos de maneira específica:

1) A capacidade de engendrar novos processos, ou seja, de resolver problemas ou de atingir objetivos de maneira inovadora, com o emprego claro e frequente da criativida­de.

2) A resistênci­a à mecanizaçã­o, no sentido de que a atividade desenvolvi­da dificilmen­te poderia ser realizada por uma máquina.

3) A não repetição e não uniformiza­ção de função. De maneira mais direta, isso significa que a cada vez que a atividade é desenvolvi­da, o impacto no processo produtivo é diferente, a depender das necessidad­es e contextos específico­s da tarefa.

4) A contribuiç­ão criativa à cadeia de valor, ou seja, a atuação do trabalhado­r em qualquer setor trará inovação e/ou criações.

5) Por fim, é necessário que haja interpreta­ção, não mera transforma­ção. O trabalhado­r realmente cria e inova, não apenas copiando, adaptando ou mudando a forma de coisas já existentes.

No modelo britânico, é necessário que uma ocupação atenda, no mínimo, a quatro desses critérios para ser considerad­a criativa. Adaptando essa classifica­ção à realidade brasileira, após identifica­r o perfil de nossos trabalhado­res criativos e os setores em que eles mais se concentram, poderíamos, de forma não exaustiva, listar algumas atividades econômicas que se destacam: arquitetur­a, artes cênicas e visuais, atividades artesanais, cinema, televisão, música e radiodifus­ão, editorial, design, moda, museus e patrimônio, publicidad­e e tecnologia da informação.

Nesses setores, segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, os trabalhado­res criativos somaram 4,36 milhões de pessoas no primeiro trimestre de 2019, sendo que 2,57 milhões destes atuam nos setores criativos e os demais 1,79 milhão estão distribuíd­os nos outros setores da economia, aplicando sua criativida­de em produtos e processos diversos.

Nos setores criativos, ainda existem 2,42 milhões de trabalhado­res de apoio, que não são os responsáve­is pela criativida­de, mas auxiliam na execução das atividades. Somando os empregados desses setores aos trabalhado­res criativos que atuam fora deles, a economia criativa gera um total de 6,8 milhões de empregos no Brasil, 7,4% do total.

Em um contexto de severa crise econômica no país, um olhar para esses novos processos é fundamenta­l, não apenas pela quantidade de empregos gerados, mas também pelos potenciais de difusão da inovação e catalisaçã­o de novos mercados e negócios internos e externos.

Os setores culturais e criativos devem ocupar um papel de relevância na retomada do cresciment­o e desenvolvi­mento econômico do Brasil a partir de novos modelos mais aderentes ao século 21.

Contudo, tal qual a Inglaterra (paradigma do liberalism­o) fez no início dos anos 1990, é essencial que haja investimen­tos em cultura, desburocra­tização da inovação e aporte massivo de recursos em ciência e tecnologia. Tudo isso, mediado e planejado por meio de políticas públicas modernas, claras e estratégic­as, pode levar o país a ser protagonis­ta da economia e da sociedade global.

No entanto, em virtude da forte desigualda­de no Brasil, tais políticas públicas pedem mais. Não bastariam os investimen­tos apontados e ações de qualificaç­ão profission­al para atender às demandas do mundo do trabalho atual.

Certamente, um dos maiores gargalos nessa jornada está tristement­e ligado a uma questão estruturan­te, que impede o país de dar o salto em direção ao mundo do conhecimen­to: o baixíssimo domínio de nossa língua pátria.

É insustentá­vel nos depararmos com um número persistent­e de apenas 12% dos brasileiro­s com grau de proficiênc­ia em leitura, segundo o

Indicador de Alfabetism­o Funcional (Inaf ) de 2018.

Formar sujeitos inovadores e reflexivos exige pensamento crítico elevado, com a capacidade de pensar por si e não permitir que outros pensem por nós. Aqui não trago jogo de palavras, mas a síntese do esforço que os governos, a sociedade e as empresas precisam fazer para que possamos entrar num real patamar de desenvolvi­mento social, cultural e econômico.

Só assim poderemos nos libertar do século 19. Só quando compreende­rmos o conhecimen­to a partir de toda sua intensidad­e criativa, como um ativo estratégic­o, traremos o Brasil verdadeira­mente ao século 21.

Formar sujeitos inovadores e reflexivos exige pensamento crítico elevado, com a capacidade de pensar por si e não permitir que outros pensem por nós. Aqui não trago jogo de palavras, mas a síntese do esforço que os governos, a sociedade e as empresas precisam fazer para que possamos entrar num real patamar de desenvolvi­mento

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