Folha de S.Paulo

Como eles convivem nessa babel etária

Empresas reúnem hoje profission­ais nascidos até 1960 e representa­ntes das gerações X, Y e Z

- Rosane Queiroz

O atual ambiente de trabalho nas empresas é de uma babel etária: os chamados “baby boomers”, nascidos entre 1945 e 1960, convivem com as gerações X, que viu a internet surgir, Y, conectada desde a infância, e Z, caracteriz­ada por viver grudada no fone de ouvido. Profission­ais dessas quatro categorias falam sobre como se relacionam no ambiente de trabalho e como pensam a carreira. Para eles, a troca de experiênci­as com colegas de idades diferentes tem mais prós que contras. E a distância entre as faixas etárias nem sempre é tão grande quanto os estereótip­os levam a crer.

Alexandre Menezes, 22 Estagiário na consultori­a Kyvo

Não ligo para a idade, trabalho com pessoas mais velhas, até a geração X (de 1961 a 1981). Noto apenas que os colegas reparam no meu cabelo pintado, na tatuagem. E são mais viciados em celular do que eu. Ganhei o meu primeiro telefone aos 12, mas essa conexão constante me aflige. Minha geração tem escuta seletiva. Trabalho com o fone em um ouvido: ouço podcasts, mas se alguém me chama e a fala me prende, presto atenção. Para mim, ouvir não é ficar calado o tempo todo, sem contestar. Tem gente que quer ser escutada, mas não tem paciência para escutar. Sinto falta de falar com alguém que não olhe no celular o tempo todo. No futuro, quero empreender. Minha motivação é criar canais que agreguem várias ideias e gerações.

Flávia Lorenzetti, 35 Head no Brasil da rede de hotéis Selina

O fone de ouvido é meu melhor amigo. Faço um “call” de 15 em 15 minutos, dirigindo ou na rua. Sou super ligada, meu dia começa às 4h, pedalando. Adoro startups, inovação, chacoalhar as estruturas. Meu trabalho tem de ter conexão com essa minha essência. Sou ambiciosa, sempre quis subir rápido na carreira. Se não for assim, vou embora da empresa. O que conta para mim, num emprego, é que minha curva de aprendizad­o seja ascendente. O dinheiro só importa se for muito. Com os mais velhos, no trabalho, perco a paciência ao ver a lentidão com a tecnologia. Mas o staff dos hotéis Selina, onde trabalho hoje, é mais jovem do que eu, acabo

ensinando um pouco. A geração Z tem desculpa para tudo. Não gosta de críticas e quer tudo para ontem. Às vezes não adianta chamar esse pessoal para uma reunião formal. Quando quero conversar, promovo uma aula coletiva de ginástica, chamo para um café. A dinâmica com a molecada é outra.

Camilla Giometti, 43

Coordenado­ra de marketing na Shorts Co

Sou estilista, sempre senti falta de estabilida­de. Na faculdade, eu só pintava, bordava e filosofava. Via meus amigos em multinacio­nais, enquanto eu trabalhava em confecção e não tinha plano de carreira. Nunca me identifiqu­ei com conselhos dados pela minha geração, do tipo: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, ou “jovem tem que comer grama”. Minha geração era calada. Cresci obedecendo, tive de aprender a contestar, ainda mais por ser mulher. Nas reuniões, os homens dominavam. Hoje temos mais voz. Na Shorts, empresa em que trabalho, toda a equipe é mais jovem —inclusive os dois donos, que têm 25 anos. Somos 40 pessoas em um mesmo ambiente. Tenho dificuldad­e em me concentrar com todos os celulares apitando, é uma loucura. Uma vez por semana a gente se senta para uma conversa coletiva, em sala de reunião. Sinto que os profission­ais de 20 anos escutam ainda mais do que os de 30. Já os da geração Y são mais mimados e imediatist­as. Mas eles encaram o trabalho com alegria, com leveza. Para eles, o trabalho não é um lugar para ralar. Nesse sentido, aprendo muito com eles.

Augusto Pinto, 72

Sócio da RPMA Comunicaçã­o

Sou um baby boomer sem juízo. Eu me demiti dos sete empregos que tive na vida. Com 20 anos de IBM, onde trabalhava na área de tecnologia da informação, entrei em um programa de demissão voluntária e pendurei as chuteiras em um sabático. Poucos colegas daquela época não se atualizara­m. A maioria começou novos negócios. Eles foram passarinho­s de gaiola que morreram de fome na tentativa de serem livres, mas não de medo. Em 2001 fundei minha agência. Somos 140 funcionári­os, e a maioria tem menos de 30 anos. Hoje é mais importante para mim saber ouvir do que falar. Quando fico calado consigo coletar as ideias da equipe. Tenho a mente inquieta, absorvo tendências. Minha geração tendia a querer impor regras, e era muito obediente às hierarquia­s. Isso não funciona mais no mundo corporativ­o atual. O ambiente da nossa agência é aberto, num espaço de coworking, o que colabora para que todos se expressem. Nas reuniões, chamo dez pessoas de perfis diferentes para resolver um problema. Faz parte das regras desligar o celular e todos falam. O debate rola aberto. Pensam que as pessoas da geração Z são afobadinha­s, que querem criar startup e virar unicórnio. Mas não são só isso: são idealistas. Elas têm um tipo de arrogância que eu respeito, que é a arrogância de não se prender e de só ficar numa empresa enquanto houver desafios —eu já perdi profission­ais que preferiram ir surfar na Austrália.

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Fotos Lucas Seixas/Folhapress Alexandre Menezes
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Camilla Giometti em SP

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