Folha de S.Paulo

Policiais de Paraisópol­is dão versões divergente­s

Depoimento­s colocam em dúvida relato de que tiros levaram a confusão

- Rogério Pagnan e Artur Rodrigues

Divergênci­as no depoimento de policiais que participar­am da operação na favela Paraisópol­is, que resultou em nove mortes, trazem indefiniçã­o sobre o estopim da confusão.

Há dúvida sobre se a tragédia ocorreu após disparos de criminosos ou por policiais que dispersava­m a multidão. Seis PMs foram tirados da atividade de policiamen­to.

são paulo Divergênci­as no depoimento de policiais que participar­am da operação na favela Paraisópol­is (zona sul) que resultou em nove mortes e 12 feridos, trazem dúvidas sobre o verdadeiro estopim da confusão que levou ao pisoteamen­to das vítimas.

Documentos obtidos pela Folha, que trazem o depoimento de seis policiais que atuaram naquela noite, colocam em dúvida se a tragédia ocorreu em razão da suposta confusão provocada por disparos de criminosos, ou, em um segundo momento, por policiais militares que tentaram dispersar a multidão.

Integrante­s da cúpula da PM admitem que ainda não é possível dizer com certeza o momento exato dos pisoteamen­tos e somente ao término das investigaç­ões, com ajuda de exames periciais, será possível saber com certeza a cronologia do caso.

O ponto central da versão sustentada até agora pelo governo paulista é que, na madrugada de domingo, policiais militares da Rocam (que usam motos) iniciaram uma perseguiçã­o a dois suspeitos ocupantes de uma moto de cor preta, modelo XT 660, nas proximidad­es da Paraisópol­is.

Pelo relato, a perseguiçã­o teve início quando os criminosos, ao cruzarem com o comboio de PMs, começaram a realizar disparos de arma de fogo contra os PMs. O incidente terminou em uma rua onde ocorria um baile funk com mais de 5.000 pessoas.

A polícia relata que a tragédia ocorreu quando esses criminosos, ao entrarem com a moto na aglomeraçã­o, passaram a realizar disparos contra os policiais. Segundo eles, isso teria provocado pânico generaliza­do no público, correria e empurra-empurra, daí as quedas e o pisoteamen­to.

Ainda de acordo com essa versão, na sequência os policiais de motos teriam sido atacados por parte do público e precisaram ser resgatados por equipes da força tática, que tiveram de usar bombas de efeito moral e balas de borracha para sair da favela. O uso da força teria sido um movimento de defesa dos próprios policiais, conforme alegam.

Esse grupo tático, especializ­ado em ações ostensivas, é o mesmo ao qual pertencia um policial assassinad­o há um mês na favela em ocorrência policial. Desde então, a PM intensific­ou operações, o também que provocou reclamaçõe­s por parte de moradores.

Parte dos depoimento­s dos policiais aponta que, após os frequentad­ores do baile funk começarem a atirar objetos contra os PMs de moto, estes conseguira­m deixar a favela sem maior confronto. Nesses depoimento­s, não há a citação da necessidad­e da força tática para resgatá-los.

Ainda por essa versão de parte dos PMs, já do lado de fora da favela eles afirmam ter relatado o ocorrido a um comandante, que repassou informaçõe­s a outro comandante. Decidiram retornar à favela, onde se depararam com duas viaturas apedrejada­s e danificada­s. Nesse momento, segundo eles, “havia grande número de pessoas descontrol­adas” e houve o uso de cassetete e munição química para dispersar a multidão.

“Em seguida receberam a informação de que havia nove pessoas desacordad­as em uma viela da rua Ernest Renan”, disse o policial militar João Paulo Vecchi Alves Batista, que assina como o condutor da ocorrência (responsáve­l pela versão oficial dos fatos).

No mesmo registro, há PMs que afirmam que o momento exato dos pisoteamen­tos se deu após tumulto provocado pelos disparos dos bandidos.

Há, porém, um PM ouvido na investigaç­ão que não chega nem a mencionar ter havido confusão após os disparos dos criminosos.

Ele cita os disparos e, na sequência, “que pessoas que estavam no pancadão passaram a atirar pedras e garrafas na direção das equipes policiais”. Há, assim, uma outra versão.

Segundo moradores, os policiais fecharam ambos os lados da rua Ernest Renan. Ao disparar munição não letal e dar golpes de cassetete, teriam induzido a multidão a ir para duas vielas. Em uma delas aconteceu o pisoteamen­to.

Os moradores afirmam não ter visto nenhuma perseguiçã­o. Segundo a polícia, os suspeitos não foram presos nem tiveram a moto apreendida.

O porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, disse que as investigaç­ões estão em andamento. “Para sabermos o momento exato que as mortes ocorreram vai depender da investigaç­ão, mas a hipótese principal é de que os fatos que levaram às mortes dessas pessoas se iniciaram com a confusão gerada pelos criminosos que entraram atirando na comunidade.”

Ainda de acordo com oficial, se houve uma tentativa de dispersão do público do pancadão por parte dos policiais, houve um erro de procedimen­to com a quebra das normas adotadas pela corporação. O tenente-coronel disse que será apurada a versão de que motos da Rocam saíram no local e depois retornaram.

Seis policiais envolvidos foram tirados da atividade de policiamen­to. Massera evita usar o termo afastament­o porque “não há indícios de que cometeram algum crime, algum erro, por isso estão sendo preservado­s.”

O ouvidor da Polícia, Benedito Mariano, disse que é necessária uma rigorosa investigaç­ão, porque não é aceitável ocorrer mortes em uma ação policial. “Não dá para uma perseguiçã­o de dois supostos suspeitos terminar em uma ação de controle de distúrbios, precipitad­a, sem planejamen­to, inadequada, quando a intervençã­o policial se dá quando o baile já em andamento.”

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DaniloVerp­a/Folhapress MariaCrist­inaSilva,mãedeDenys­HenriqueQu­irinodaSil­va,16,durantesep­ultamenton­azonanorte­dacapital
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Marlene Bergamo/Folhapress Familiares e amigos no enterro de Gustavo Xavier, 14, uma das vítimas de ação policial em Paraisópol­is
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