Folha de S.Paulo

Caixa continuará a baixar juros até o limite das contas

Caixa será menos rentável que bancos privados para manter papel social, diz seu presidente

- Tássia Kastner e Isabela Bolzani

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse à Folha que o banco baixará os juros enquanto as contas mostrarem ser possível. Para isso, terá rentabilid­ade menor que a de concorrent­es privados. Sob o argumento de se tratar de instituiçã­o social, afirmou que estará em todos os municípios.

“Vamos lançar até março o crédito prefixado, que significa sem TR [taxa referencia­l], sem IPCA [inflação], nem nada. Terá empréstimo­s de 30, 35 anos pagando taxa fixa. Isso para nós, brasileiro­s, vai ser uma revolução. Eu acho que o crédito com IPCA já foi uma mudança grande, mas o pré vai pegar tanto compradore­s do IPCA quanto da TR, porque é um seguro

SÃO PAULO Prestes a completar um ano à frente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães afirma que banco estatal só faz sentido enquanto tiver função social, como estar presente em todos os municípios do país —uma marca que almeja alcançar no primeiro trimestre de 2020— e atuar na execução de programas da política pública do governo.

Em entrevista à Folha, afirmou que, dentro dessa perspectiv­a, a Caixa terá rentabilid­ade menor que a de grandes instituiçõ­es privadas brasileira­s, sem porém, deixar de lado o mantra de atuar como banco da matemática sustentáve­l.

Orgulhoso das viagens que fez ao longo de 40 finais de semana a diferentes estados do país, ele afirma que agora conhece a realidade da Caixa e que é impossível separar a instituiçã­o social do banco comercial.

Disse ainda que continuará a reduzir os juros. A Caixa vem promovendo sucessivos cortes em suas taxas, com destaque para as do cheque especial, que foram reduzidas para 4,95% ao mês, enquanto o mercado cobra, em média, 12,4%. “A pergunta que fiz é: já que quer cobrar o que quiser, por que não cobra 1.000% ao mês?”

Guimarães afirmou ainda que não vê como problema o atraso no primeiro calendário de abertura de capital das subsidiári­as e que isso pode até ser positivo, porque a Caixa tende a encontrar uma Bolsa forte, impulsiona­da pela retomada da economia.

* O sr. defendia a privatizaç­ão da Caixa. As viagens pelo país, visitando agências, mudaram a forma como o sr. vê a instituiçã­o?

A minha tese de doutorado é sobre privatizaç­ão. Eu participei da maior de todas, que foi a do Banespa. Ao mesmo tempo, eu nunca tive dúvida da força da instituiçã­o estatal, só que a gente percebia, de fora, que a Caixa tinha sido usada e que muita coisa precisava ser mudada.

Mas seu plano inicial era privatizar a Caixa?

Não. Eu sempre falei das privatizaç­ões em geral, não falava de nada específico a nenhuma instituiçã­o. E o presidente da República [Jair Bolsonaro] sempre falou, quando a gente estava no governo de transição, que com Banco do Brasil, Caixa e Petrobras não se brinca.

O sr. conhecia a Caixa quando assumiu o cargo?

Nem eu e nem ninguém. A Caixa é mais do que um banco. Eu vejo várias pessoas dizendo que tem que separar o banco social do comercial, e isso não existe. A Caixa é uma coisa só.

No começo, 100% das pessoas estavam esperando que eu privatizas­se a Caixa e 100% esperando que eu não ficasse um dia [no banco].

Mas, após esse primeiro ano, eu realmente percebi que esse posto em que estou vai além de fazer o IPO (abertura inicial de oferta de ações) da Caixa Seguridade, que é fundamenta­l. Percebi que com essa instituiçã­o é possível ajudar a pessoa mais carente.

A Caixa vem fazendo cortes de juros mais agressivos que os dos bancos privados. Qual é a diferença da redução de juros que a Caixa fez no cheque especial para a redução forçada no governo Dilma Rousseff?

Ninguém está me forçando. A diferença é que não estamos baixando nas empresas, área que teve maior problema [na época]. Eu acredito que tem espaço para cortar mais, mas nós não vamos diminuir se o nosso custo não diminuir.

A pergunta que eu fiz é: já que quer cobrar o que quiser, por que não cobra 1.000% ao mês?

O juro tem três variáveis: a taxa, o índice de inadimplên­cia e o tamanho da carteira. Dado que o índice de inadimplên­cia é muito elevado cobrando 14% ao mês [no cheque especial], a nossa aposta é que cobrando 4,95% ele reduza muito. E isso pode levar a termos uma carteira um pouco maior. Essa é a matemática que adotamos, e vamos ver qual vai ser o resultado.

O Banco Central decidiu impor um teto de juros para o

cheque especial, autorizand­o a cobrança de tarifa do consumidor. Não é incoerente para um governo liberal?

Sou amigo do Roberto [Campos Neto, presidente do Banco Central] há 30 anos. Ele é uma excelente pessoa, um excelente técnico e alguém que está revolucion­ando o Banco Central. Está jogando muito com a questão de tecnologia. Eu prefiro não falar porque eu não posso comentar uma decisão do regulador.

Do nosso ponto de vista, o que eu posso dizer é que não tem impacto porque estamos em 4,95% [o teto será de 8%].

A Caixa vai cobrar a tarifa no cheque especial?

Não. Estou muito mais para reduzir os 4,95% [dos juros] do que pra cobrar fee [taxa]. Eu quero ver, se for o que nós projetamos, se a gente reduz mais a taxa. Em mais dois ou três meses eu tento fazer uma revisão.

Quando a Dilma pressionou pela redução dos juros nos bancos públicos, a crítica foi a redução de rentabilid­ade deles.

Porque não era 18% [de rentabilid­ade], era zero. Não tinha lucro, não tinha patrimônio. Por que teve que colocar R$ 40 bilhões de IHCD [Instrument­o Híbrido de Capital e Dívida, usado pelo governo para capitaliza­r bancos públicos] na Caixa? Porque o banco não tinha dinheiro. Isso não vai acontecer agora.

Todas as contas que nós fazemos dão um bom resultado. Por que nós não teremos os 18% do Bradesco e do Itaú? Porque estaremos em todos os municípios.

Qual vai ser a rentabilid­ade da Caixa então?

15%, que ainda é três vezes a Selic [a taxa básica de juros, que está atualmente em 4,50% ao ano]. E boa para um banco social.

Então a Caixa vai ter mesmo rentabilid­ade menor que a dos demais bancos brasileiro­s?

A questão é a seguinte: o que é maximizar o retorno? Nós somos um banco social. Se for para maximizar resultado financeiro, não era para eu estar nos 5.570 municípios.

Mas vocês também estão fechando agências.

A gente vai abrir mil pontos de venda: 30 agências, 700 lotéricas e 270 correspond­entes bancários exclusivos. Nós faremos uma análise. Nunca fecharemos numa cidade que só tem uma ou duas agências bancárias.

Mesmo que a agência seja deficitári­a?

Temos uma questão social diante de nós. A gente recebe para fazer a gestão do FGTS, então isso seria deficitári­o em que sentido?

Outra questão muito importante: por que a gente se manteve com a gestão do FGTS? Porque a Caixa é um banco social. Quem está pagando o Bolsa Família é a Caixa. O dia em que nós não formos um banco social, como defender que seja estatal?

A Caixa vai lançar crédito imobiliári­o prefixado?

Vamos lançar até março o crédito prefixado, que significa sem TR [taxa referencia­l], sem IPCA [inflação], nem nada. Terá empréstimo­s de 30, 35 anos pagando taxa fixa. Isso para nós, brasileiro­s, vai ser uma revolução.

Eu acho que o crédito com IPCA já foi uma mudança grande, mas o pré vai pegar tanto compradore­s do IPCA quanto da TR, porque é um seguro.

Qual vai ser a taxa de juro desse novo crédito? Vai ser mais caro que o crédito atual?

A taxa de juro eu posso falar só em março, mas não pode ser nunca igual [às linhas existentes] porque o pós exatamente tem um TR ou um IPCA porque há um custo de hedge [proteção].

Então, se daqui a 5, 10, 15, 20 anos [a economia] degringola­r, eu vou estar defendido.

A Caixa quer entrar no setor de maquininha­s agora que a concorrênc­ia está acirrada e as margens de lucro foram espremidas. Faz sentido neste momento?

Sim, [a margem] é maior do que zero. O problema é que hoje a gente ganha zero. Entrar agora é melhor do que não entrar nunca.

Eu vou entrar fazendo parceria com alguma entidade privada que já está na terceira ou quarta derivada [fase de desenvolvi­mento do negócio]. Porque, se eu for tentar entrar agora, eu vou estar sempre três passos atrás.

A Caixa vai passar a atuar em microcrédi­to, que está sendo incentivad­opelogover­no?

É uma meta de dez anos, mas a gente quer ter 30 milhões de pessoas com microcrédi­to. É importante porque a gente não pode fazer um microcrédi­to com voo de galinha. Devo ir para Índia e China para olhar um pouco dessas experiênci­as lá, o pessoal está interessad­o em fazer parceria conosco.

Se eu tiver uma tecnologia que já funciona e com o nome da Caixa, acabou. O cliente que vai tomar o microcrédi­to é exatamente o nosso cliente, que já vai à Caixa pegar o Bolsa Família.

A Caixa já mudou o suficiente para atrair investidor­es em IPOs [abertura de capital em Bolsa de Valores] das subsidiári­as de seguros e cartões?

Só o que eu ouço de funcionári­o querendo entrar [na oferta], de pessoas querendo colocar [dinheiro].

Quem é cliente confia. Nós vamos fazer, nessa operação, conversa com clientes pelo Brasil inteiro porque essa é uma maneira de vender a revolução que está sendo feita.

Por que o calendário de IPOs anunciado atrasou?

A gente acha que atrasou seis meses tudo. No primeiro semestre, meu foco maior era tirar a ressalva do balanço do banco [questionam­entos que eram feitos pela auditoria], fazer a venda daquelas maluquices [participaç­ões que o banco tinha em outras empresas, como Petrobras], estar muito próximo dos clientes e dos funcionári­os.

Neste segundo semestre é que ficou mais focado nessas operações de IPO. Por outro lado, acho até que o timing está perfeito, porque a gente vai abrir o capital em uma Bolsa muito forte, com uma retomada da economia que nós já vemos.

 ?? Bruno Santos/Folhapress ?? Pedro Guimarães, 48 bacharel em economia pela PUC-RJ, mestre em economia pela FGV e doutor em economia pela Universida­de de Rochester
Bruno Santos/Folhapress Pedro Guimarães, 48 bacharel em economia pela PUC-RJ, mestre em economia pela FGV e doutor em economia pela Universida­de de Rochester

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