Folha de S.Paulo

Decisão de igual para igual mostra que o caminho está correto

Nem quando o Corinthian­s venceu jogou de igual contra o campeão europeu

- Paulo Vinicius Coelho

A bronca do zagueiro holandês Van Dijk nos jogadores do meio de campo do Liverpool, especialme­nte Keita, aos 27 minutos do primeiro tempo, deu o tom do que acontecia no estádio Khalifa, em Doha. Deu jogo. O Flamengo passou a ter supremacia no setor criativo e ter mais posse de bola.

Mesmo que Jürgen Klopp não seja o treinador mais obcecado pela circulação do jogo, o que se viu num pedaço da partida foi o Flamengo esboçando pôr na roda, como em 1981.

Nas duas vezes em que o Liverpool

atacou a marcação por pressão, com Salah, Firmino e Mané quebrando a linha de passe de Arão e dos zagueiros, Flamengo conseguiu sair da cilada. O plano de Jorge Jesus era exatamente esse.

“Klopp criou o 4-3-3 mais particular do planeta”, disse na véspera do jogo. “Porque só o Liverpool ataca a marcação com três homens. Até com Guardiola é diferente.”

Durante a semana e mesmo na manhã que antecedeu à decisão, Jesus levou os jogadores a campo para relembrar os detalhes. Sabia que quando Firmino ataca o líbero para tomar-lhe a bola, o primeiro volante, Henderson, ultrapassa a linha dos meias. Abre-se o espaço entre a linha do meio de campo e dos zagueiros.

A ordem foi que De Arrascaeta e Éverton Ribeiro explorasse­m esse setor. Bruno Henrique e Gabriel seriam os mais agudos, mas Gabigol tinha a missão de também atrair os beques de vermelho, para abrir espaço para as infiltraçõ­es.

Depois de dez minutos de enorme superiorid­ade inglesa, o jogo se equilibrou. O Flamengo cumpriu o que prometeu. Atacou. No início da segunda etapa, Alisson salvou bola que ia entrando, de Gabigol. Verdade que depois de Firmino acertar a trave numa jogada fantástica, com chapéu em Rodrigo Caio.

Muita gente apostou que Jürgen Klopp escalaria um time misto, que deixaria Salah no banco de reservas, que Van Dijk não jogaria. “Isto é uma trampa”, disse Jorge Jesus. Uma armadilha acreditar num Liverpool enfraqueci­do. Só não esteve mais forte, porque o Flamengo o impediu. Klopp escalou Salah, apesar do acúmulo de partidas, porque viu o egípcio em seu melhor momento na temporada, com quatro gols e dois passes decisivos nas cinco partidas que antecedera­m à final.

Houve o capricho de o campeão do país que mais reclama do VAR no planeta se salvar de duas injustiças por causa da revisão pelo vídeo. O árbitro chileno Roberto Tobar desmarcou o pênalti que não houve de Rafinha em Mané. A primeira injustiça salva foi esta. A segunda, o Flamengo não podia perder o jogo no último instante do tempo normal.

E mesmo assim, criou as duas melhores oportunida­des da prorrogaçã­o, antes de Henderson lançar Mané no contraataq­ue e deixar Firmino cara a cara com Diego Alves. Teve frieza para fazer o gol.

O Flamengo não vence o

Mundial de Clubes, mas deixa o caminho. A ousadia e a capacidade de montar times com jogadores que tenham funções em todas as suas ações, com estudo dos adversário­s e disputando cada partida de acordo com o que ela pede.

Tudo isso resultou no duelo mais frente a frente entre um clube sul-americano e outro europeu, na história recente do Mundial de Clubes. Nem quando o Estudiante­s levou o Barcelona à prorrogaçã­o, nem quando o Corinthian­s venceu o Chelsea o campeão da América encarou tão de frente o melhor time da Europa.

O Corinthian­s de Tite mereceu vencer em 2012, pela estratégia, pela enorme atuação de Danilo e pelas defesas de Cássio. Mas o Flamengo fez o Brasil ser representa­do como o país do futebol sempre gostou de ser. Sabendo que joga de igual para igual e pode ganhar.

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