Folha de S.Paulo

Amazônia já

Desastre conduzido pelo governo Bolsonaro na região demanda reação enérgica da sociedade

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Com balanço do desempenho desastroso do governo Bolsonaro na área ambiental e em defesa de reação enérgica da sociedade.

O governo Jair Bolsonaro tinha meros 25 dias no poder quando se deflagrou a maior tragédia ambiental do Brasil. Barragem da mineradora Vale se liquefez em Brumadinho (MG) e levantou um tsunami de rejeitos que matou 270 pessoas.

Era o prenúncio ominoso do que estava por vir, num ano pleno de más notícias para o meio ambiente —para nada dizer das notícias fraudulent­as despejadas sobre o assunto desde o Planalto.

Falhou a Vale na manutenção da segurança e falhou o poder público em obrigá-la a tanto. Para isso deveriam servir o licenciame­nto ambiental e a fiscalizaç­ão do cumpriment­o de suas exigências, mas tais processos se desvirtuar­am em papelório e faz de conta que perdem de vista o objetivo primário, preservar a população e a natureza.

Bolsonaro e equipe fizeram mais que prostrar-se, entretanto. Capitanear­am os esforços para afrouxar as normas do licenciame­nto, sob pretexto de desburocra­tizálas (coisa de que por certo necessitam). Só não se consumou retrocesso completo porque o Congresso chamou para si a negociação e exerceu um poder moderador.

Desde a campanha Bolsonaro propagava doutrina nacionalis­ta sobre a Amazônia, com críticas a governos estrangeir­os e ONGs.

Seus discursos funcionara­m como combustíve­l para inflamar os ânimos da coalizão predatória contra a floresta, composta por grileiros, madeireiro­s ilegais e pecuarista­s, e não faltou quem previsse a alta no desmatamen­to.

O aumento da destruição começou a ser detectado por satélites no final do primeiro semestre. Bolsonaro reagiu como sabe, negando a realidade com fabulações paranoicas contra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que conduz o monitorame­nto da devastação há três décadas.

O presidente acusou o Inpe de falsificar dados e de estar a serviços das ONGs. Diante da reação altiva do diretor do instituto, Ricardo Galvão, exigiu e obteve sua exoneração do ministro da Ciência, Marcos Pontes. Galvão terminaria entre os dez cientistas mais destacados do mundo pela revista Nature.

Coerenteme­nte, o Planalto não se limitou às palavras. Ricardo

Salles, um ministro escolhido para desmontar as políticas da própria pasta do Meio Ambiente, cismou com o Fundo Amazônia, fonte de recursos para a floresta mantida por Noruega e Alemanha.

Quer alijar doadores e assumir o controle das verbas; na prática, só conseguiu paralisar o mecanismo.

O desgoverno ambiental já se tornava tema de conhecimen­to no mundo em agosto e setembro, na estação seca, com a explosão das queimadas que se seguem ao corte.

Confrontad­o com medidas de satélite, Bolsonaro inventou que não havia aumento de focos de incêndio, em comparação com anos anteriores, e que as ONGs estavam queimando as matas.

Imobilizad­o pela narrativa negacionis­ta, o governo federal demorou a reagir. Com enorme atraso, montou operação espetaculo­sa de combate às chamas com as Forças Armadas e pediu ajuda a Israel.

Quase ao mesmo tempo, novo desastre ambiental encurralou a administra­ção quando milhares de toneladas de petróleo cru começaram a aparecer nas praias do Nordeste. Repetiu-se o padrão de comportame­nto que mescla alienação, calúnia e inoperânci­a, agora com Salles na vanguarda.

O papel bisonho desempenha­do pelo ministro a serviço de Bolsonaro fecharia 2019 —que terminará, provavelme­nte, como o segundo ou terceiro ano mais quente da história— como nele entrou, metendo os pés pelas mãos.

Viajou a Madri para participar da 25ª conferênci­a mundial sobre emergência climática e saiu dela como protagonis­ta da obstrução que a transformo­u num fiasco.

Com tal sequência de desmandos, a área ambiental responde, até aqui, pelos danos mais palpáveis infligidos pelo bolsonaris­mo ao país. A alta de 29,5% no desmate da Amazônia junta números às declaraçõe­s e ações desastrada­s do governo —com perda devastador­a também para a imagem do país.

A calamidade demanda reação enérgica da sociedade. A todos, incluindo o agronegóci­o, interessa a defesa da região. Governador­es, Congresso, empresaria­do e opinião pública podem e devem mobilizar-se contra retrocesso­s conduzidos pelo Executivo federal.

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