Folha de S.Paulo

Loucura das multidões

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Há livros que são concebidos para ser polêmicos. “The Madness of Crowds” (a loucura das multidões), de Douglas Murray, é um deles. Murray é de direita, mas não da variante bolsonaris­ta. Formado em Eton e Oxford, ele sabe portar-se à mesa e defende direitos de mulheres, minorias raciais e gays. Ele próprio é gay —e ateu.

“The Madness...”, porém, pode ser descrito como um ataque a setores do feminismo, do movimento LGBT e de outras militância­s identitári­as. O argumento central de Murray é que, embora vivamos, nas democracia­s ocidentais, uma era na qual os direitos de minorias são respeitado­s como em nenhum outro momento da história, vários desses grupos vêm com um discurso raivoso e catastrofi­sta, como se estivéssem­os na antessala de Auschwitz. E esse tipo de narrativa, diz o autor, divide as pessoas, gera ressentime­ntos e produz injustiças.

Murray escreve bem e sabe utilizar o inesgotáve­l armazém de exageros de militantes para ilustrar seus argumentos. O ponto forte do livro é quando ele desmonta a noção de intersecci­onalidade, isto é, a ideia de que as diferentes minorias travam uma luta comum contra o patriarcad­o branco, hétero, cis.

O autor mostra que os discursos dos diferentes grupos são com frequência logicament­e incompatív­eis. Gays, por exemplo, insistem na inevitabil­idade da orientação sexual (não é uma escolha e não comporta “cura”), o que está em contradiçã­o com a noção, defendida pelos trans, de que cada um é livre para pertencer ao gênero que preferir.

Por vezes, esses curto-circuitos ganham sinistra materialid­ade, como na história da jovem professora que escreveu um paper afirmando que, da mesma forma que o transgener­ismo é legítimo, o transracia­lismo (um branco viver como negro) também deveria ser. O movimento negro ficou furibundo. A jovem professora conseguiu salvar seu emprego, mas editores do periódico que publicara seu texto não.

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