Folha de S.Paulo

Frutos podres

- Ruy Castro

rio de janeiro Cristo falava por parábolas. Bolsonaro fala por slogans. Uma parábola é um relato alegórico, destinado a fazer pensar e extrair de sua narrativa uma moral. É um instrument­o que se dirige, ao mesmo tempo, à fé e à razão. Já um slogan é uma afirmação categórica, acachapant­e, disparada para ser aceita pelo receptor sem passar necessaria­mente por seu cérebro. É uma arma dos publicitár­ios, dos políticos e dos autoritári­os.

Uma das grandes parábolas de Cristo está em Mateus 7:15-20: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelha, mas que por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecerei­s. Colhemse porventura uvas dos espinheiro­s, ou figos dos abrolhos? Toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar bons frutos. Toda árvore que não dá bons frutos deve ser cortada e queimada”.

Por falar em frutos, digo, bolsonaros, digo, slogans, o slogan favorito de Bolsonaro é o martelado “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. O “Brasil acima de tudo” cheira ao slogan nazista “Deutschlan­d über alles” —“A Alemanha acima de tudo”—, mas isso não lhe provoca desconfort­o. Com slogans não se discute.

O Brasil de que fala Bolsonaro deve ser o nosso, que ele reduziu a seu condomínio. Mas a que Deus Bolsonaro se refere? Ao Deus dos católicos, o velhinho bonachão, de barbas e camisolão, síndico do Céu? Ou ao Deus protestant­e, incorpóreo, rigoroso, fiscal de nossos malfeitos aqui na Terra? A pergunta procede, porque Bolsonaro se diz católico, embora nunca seja visto com padres ou em seus rituais. Ao contrário, seu território são os templos evangélico­s e seus aliados, os “bispos” de televisão. Bolsonaro servirá a dois senhores?

Pelos frutos que estão começando a despencar da árvore, Deus e o Brasil não demoram a pedir dispensa do tal slogan.

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