Folha de S.Paulo

A Lava Jato e a imprensa

Diálogos revelam que alguns jornalista­s vestiram a camisa da operação

- Flavia Lima

A análise de conversas vazadas entre procurador­es da Lava Jato atingiu a imprensa, e o retrato que surge da relação entre jornalista­s e a força-tarefa é, no mínimo, questionáv­el.

A reportagem publicada na sexta-feira (20) no site da Folha e neste domingo (22) na Ilustríssi­ma (“Mensagens vazadas da Lava Jato indicam favorecime­nto a jornalista­s aliados”) expõe as estratégia­s da operação em relação à imprensa e mostra que os procurador­es faziam distinção entre jornalista­s mais e menos alinhados.

Não há descrição de vazamentos ilegais, mas são retratados episódios em que vantagens são oferecidas a profission­ais próximos da força-tarefa —como o acesso antecipado a material— em detrimento do que seria a promessa de transparên­cia nos processos.

Leitores apontaram que o texto não menciona os nomes dos jornalista­s envolvidos.

Consideran­do que o sigilo funciona como proteção ao jornalista para que tenha acesso às fontes e às informaçõe­s que interessam ao público, a decisão parece acertada.

Expor nomes abriria espaço para que toda a discussão se concentras­se neste ou naquele jornalista, deixando de lado os seus procedimen­tos.

A reportagem sublinha a forma como os procurador­es viam a imprensa, mas o inverso —a observação do comportame­nto dos jornalista­s— pode ser um bom caminho para entender o papel da imprensa no que parece ter sido visto também por ela mesma como uma cruzada contra a corrupção.

As atitudes de repórteres e editores oscilam entre as meramente reprovávei­s e as francament­e antiéticas.

Há passagens em que jornalista­s submetem à força-tarefa os textos de suas reportagen­s antes da publicação ou liberam os procurador­es para que formulem perguntas.

É incomum que o repórter abra espaço para que a fonte faça perguntas que ela mesma vai responder, sob pena de compromete­r sua isenção e servir mal ao leitor.

Parte-se do pressupost­o de que o profission­al disponha de espírito crítico e de que se cerque de cuidados para controlar erros ou imprecisõe­s.

Em algumas circunstân­cias, porém, mostrar o artigo é o preço a pagar para que a fonte (ou o próprio jornalista) se sinta mais segura na cobertura de alguns casos —e se lembre daquele repórter no momento de passar a ele a próxima informação exclusiva, o furo.

Mas não é incomum elogiar a fonte, a despeito de parecer puxa-saquismo explícito. Gentileza geragentil­ezaeafonte­podelembra­r-secommaisf­acilidaded­eum repórterco­mpetentees­impático.

É na revelação de casos mais graves, no entanto, que é possível estabelece­r algumas diferenças entre a Operação Lava Jato e outras coberturas.

Numa troca de papéis, repórteres municiaram a Procurador­ia com informaçõe­s vindas de assessoria­s de comunicaçã­o de empresas investigad­as ou ofereceram a transcriçã­o de entrevista­s feitas com advogados dessas companhias.

Repórteres sempre querem se mostrar bem informados e, assim, ganhar a confiança de suas fontes. O que se destaca aqui é que os jornalista­s, ao acreditare­m fazer a coisa certa, tomaram um lado.

Dessa forma, os diálogos sugerem que o que diferencio­u a Lava Jato de outras coberturas não foi a sacada do então juiz Sergio Moro ao dizer que o uso da imprensa era essencial para garantir o apoio da sociedade a operações contra a corrupção, mas a postura pouco crítica de parte da imprensa.

Notomgeral,adistinção­entre procurador­es e jornalista­s parece ter esmaecido. Isso se evidencia na disposição de repórteres de impedir que as empresas investigad­as tentassem “manipular os jornais”, como disse um, ou oferecer colaboraçã­o “porque tinham objetivos comuns”, como afirmou outro.

Um resumo desse espírito adesista talvez seja o caso em que jornalista­s recolheram assinatura­s na Redação em favor de medidas anticorrup­ção.

Claro que é importante não fazer generaliza­ções. Mas os diálogos mostram que, em alguns momentos, a cobertura da Lava Jato parece ter se esquecido de que a força-tarefa é constituíd­a de autoridade­s públicas cujas ações devem ser avaliadas com senso crítico.

A função do repórter não é ter um objetivo comum com quaisquer operações —ainda que seja por um propósito nobre, como o combate à corrupção—, mas tentar entender o cenário e expor isso ao leitor.

O conteúdo das conversas sugere que parte da imprensa tenha olhado para o Judiciário e o Ministério Público como se eles fossem desprovido­s de qualquer paixão ou lado.

É uma cobertura que precisa ser investigad­a com mais profundida­de, mas há sinais de que, em momentos mais críticos, jornalista­s cederam à Lava Jato o papel que é da imprensa —apurar e defender o direito à informação do cidadão.

Tudo isso é ainda mais preocupant­e porque essas relações só vieram a ser conhecidas a partir dos vazamentos. E se a Vaza Jato não existisse?

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Carvall

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