Folha de S.Paulo

Não dá para filho do presidente criar crises de forma sucessiva

Ex-líder no Congresso, deputada sugere que governo trabalha contra prisão após 2ª instância para proteger Flávio Bolsonaro

- Angela Boldrini, da Folha, e Constança Rezende, do UOL

BRASÍLIA O governo do presidente Jair Bolsonaro trabalha no Senado para segurar a volta da prisão em segunda instância para proteger Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), diz a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).

Ex-líder do governo no Congresso, a parlamenta­r afirmou ao programa de entrevista­s no estúdio da Folha e do UOL, em Brasília, que o presidente pediu ao líder no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), para atuar contra a medida, que tem forte apelo entre o eleitorado do próprio Bolsonaro.

Segundo ela, pode haver intenção do governo de proteger o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigad­o sob suspeita de promover um esquema de “rachadinha”, em que assessores são coagidos a devolver parte do salário a parlamenta­res.

Joice, deputada mais votada de São Paulo em 2018, está no centro de uma briga de seu próprio partido e engajada em uma guerra virtual com o filho deputado do presidente, Eduardo Bolsonaro (SP).

Líder durante a tramitação da reforma da Previdênci­a, Joice foi retirada do posto por Bolsonaro após tomar o lado de Luciano Bivar (PE), presidente da sigla, na briga que partiu o PSL ao meio. Ela foi contra a ascensão de Eduardo ao posto de líder na Câmara.

Debandada do PSL

Particular­mente, acho que nós deveríamos abrir as portas para aqueles deputados do PSL que não querem ficar. Não querem ficar, podem ir embora, não dá para ficar pressionan­do para que ninguém fique no partido atacando.

Nenhum partido que tenha mais de 20 deputados pode ser chamado de partido nanico.

Nós vemos partidos, como o Podemos, o Cidadania e outros, com o seu posicionam­ento e espaço na Câmara, fazendo um trabalho dentro das suas ideologias, e nem por isso são exatamente nanicos.

O PSL continua entre os maiores partidos da Câmara.

Mas, desses 24 parlamenta­res, nós percebemos que houve muita pressão do Palácio, de ministros, em cima de alguns. Isso foge do jogo democrátic­o, lamentavel­mente.

Acredito que metade deles volte para cá. Os mais xiitas vão para o partido [que Bolsonaro quer criar, a Aliança pelo Brasil], sejam felizes, vão fazer seu trabalho. Querem continuar sendo só ativistas, sem trabalhar para o povo, sem realmente conseguir vitórias do Brasil? Vai com Deus.

Decepção com Bolsonaro

Não fui eu quem abandonou o presidente Bolsonaro. Foi ele que abandonou muitos daqueles que lutaram fielmente por ele, do lado dele, para que nós pudéssemos fazer um país melhor e aí eu posso te dar uma lista infinita de pessoas, Santos Cruz [ex-ministro de Secretaria do Governo], o próprio general Ramos [atual ministro da pasta], que foi atacado muitas vezes pelos filhos, Mourão [vice-presidente], Bebianno [ex-ministro da Secretaria-Geral].

Você vai pegando pessoas que foram fiéis a vida toda, ou pelo menos nessa vida política agora e que simplesmen­te foram usadas e descartada­s.

Me decepcione­i, sim. Um pouco com isso do caráter, de não cumpriment­o de palavra e com esse desejo de sufocar qualquer um que tenha vida própria, que tenha algum brilho próprio.

Essa fraqueza de posicionam­ento interno e essa oscilação, tanto de humor quanto de caráter, de posições, é uma coisa que decepciona qualquer um que tenha caráter, dignidade e palavra.

Filhos de Bolsonaro

Os filhos prejudicar­am desde o princípio. A maioria das crises que acontecera­m entre os Poderes, e mesmo dentro do Palácio, do Executivo, foi criada por um dos filhos, ou o filho da rachadinha, ou filho do Twitter, que ficava xingando todo mundo, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, no momento em que pautas importante­s precisavam entrar na votação.

Não adianta vir um moleque no Twitter achincalha­r um presidente de Congresso, amiguinho. Entre na fila, vai disputar eleição, vira presidente do Congresso.

Quem é o fedelho para fazer uma coisa dessas? Nós aqui, como parlamenta­res, podemos discordar, debater, derrotar e aprovar projetos. Agora, não dá para o filho do presidente criar crises de maneiras sucessivas, e foi o que aconteceu.

‘Gabinete do ódio’

É uma relação complexa ali. Se ele [Bolsonaro] é mais influencia­do pelo gabinete do ódio, qual é o tamanho da ingerência dele…

Eu não sei se ele tem a noção de tudo o que eles fazem e do mal que eles causam. Porque vou te dar um exemplo claro. Não é uma questão só de rede social, quando se fala de rede social parece que fica uma coisa muito bobinha. É uma questão de posicionam­ento do presidente, mesmo.

Eu fui contra alguns discursos agressivos, que às vezes ele faz até contra a mídia, achincalha­ndo veículo de comunicaçã­o. E essa turma ficava estimuland­o, sabe quando você pega um pitbull bravo e você fica assim “pega, pega, pega”? É assim que eles fazem.

Caso Queiroz

Eu não conheci o [ex-PM Fabrício] Queiroz [pivô de escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro] pessoalmen­te. Mas o que se comenta dentro do Palácio, mesmo na campanha, era da proximidad­e extrema do Queiroz com o presidente Bolsonaro. Então, eles eram amigos de longa data.

O presidente teme claramente que estoure essa bomba no colo do Flávio Bolsonaro, o que para mim é uma questão de tempo.

E, desde antes, desde quando era líder do governo, eu defendia a investigaç­ão. Isso também era um ponto de conflito no governo.

Eu não posso afirmar que estava acontecend­o [a rachadinha]. O que estou dizendo é que as investigaç­ões apontam que, sim, que tem cara, cheiro e jeito de andar que acontecia, vai ter de esperar a conclusão das investigaç­ões. Agora, quanto mais o Ministério Público aprofunda, ou a polícia, mais indícios de que realmente aconteceu aparecem.

Eu cheguei a defender uma época, dentro do Palácio, que

Flávio se afastasse. Saia, se afasta, abre mão do foro privilegia­do, vai embora, vai provar sua inocência, não prejudica mais o seu pai. Porque acaba prejudican­do.

Como é que um assessor [Queiroz] consegue movimentar tanto dinheiro? E aí tem muitas pessoas dizendo: ‘Olha, eu dava o salário, tinha rachadinha”. Então eu não coloco um dedo mindinho no fogo pelo Flávio, nesse caso.

Prisão em 2ª instância

No Senado, o líder tem lá sua experiênci­a, mas também passa por alguns perrengues e, às vezes, estão algumas das posições que eu não tomaria, por exemplo trabalhar contra a segunda instância.

Mesmo que o presidente me pedisse, como pediu ao líder do governo no Senado. Eu ia dizer: “Não, obrigada”. Pode botar o meu cargo à disposição, a minha cabeça numa bandeja, porque eu não vou trabalhar contra a prisão em segunda instância. Porque pode ser uma proteção até mesmo num eventual caso do Flávio acabar caindo no meio dessa confusão toda.

Articulaçã­o política

Por que que a articulaçã­o vive aos trancos e barrancos? Por conta das condutas do próprio governo, do presidente.

Eu construía a ponte, ligava lá o Congresso, chegava pertinho do Planalto para a gente ter uma paz, vinha alguém e “bum”, jogava uma bomba.

Lá ia eu de novo, corria para a casa do Rodrigo [Maia, presidente da Câmara], para a casa do Davi [Alcolumbre, presidente do Senado], ia às reuniões de líderes tentava acalmar. Mesmo com as pancadas que tem levado do governo, [Maia] tem pautado aquilo que é importante para o governo.

Se não fosse o Rodrigo e a atuação desses líderes, desculpe, nada tinha sido aprovado.

Fake news

Entreguei [provas da existência de uma estrutura do governo usada para fake news], para o Supremo [Tribunal Federal].

Pelo que eu saiba, eles estão investigan­do. Meu depoimento foi sigiloso, então não posso entrar no mérito do que eu falei, mas as provas estão em mãos do Supremo.

Eu fui agora na semana que passou e fui ouvida por um grupo que está acompanhan­do as investigaç­ões de fake news e de ameaças contra ministro do Supremo.

[Entreguei] todo o processo de como eu cheguei até lá. Como é que eu consegui chegar àqueles dados todos. Eu mostrei o que tem dinheiro público. Mas não é só dinheiro público porque, por exemplo, quem paga os disparos de robôs? Essa é uma pergunta que tem que ser respondida.

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