Folha de S.Paulo

Os fiscais da corrupção enxugam gelo

Falta examinar os jabutis de casos como o dos computador­es do FNDE

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Imagine-se o juiz Sergio Moro no gabinete de Curitiba recebendo a informação de que o governo petista fez um chamamento de preços para aluguel de um imóvel de 4.490 m² em Brasília listando entre os requisitos “desejáveis” do prédio dois auditórios com no mínimo 100 lugares, sistema de reuso de água, de elevadores com sistemas de antecipaçã­o de chamadas e selos de eficiência energética.

O juiz desconfiar­ia. Esse chamamento de preços partiu em outubro passado do Departamen­to Penitenciá­rio Nacional, subordinad­o ao ministro Sergio Moro. A ONG Contas Abertas sentiu cheiro de queimado e mostrou ao Tribunal de Contas que em Brasília existe só um imóvel capaz de obter a pontuação máxima no julgamento de futuras propostas, o Centro Corporativ­o Portinari.

Dado o alarme, o Ministério da Justiça prorrogou o prazo de recebiment­o das propostas.

Lá, informam que o adiamento nada teve a ver com a entrada do TCU no caso. Fica combinado assim.

Pouco custava dizer que a postergaçã­o tinha a ver com as críticas. Os prédios onde trabalham a rainha Elizabeth, Jair Bolsonaro e Sergio Moro não atendem aos desejos listados pelo Depen. (Logo ele, que cuida de penitenciá­rias.) Em março passado o TCU pediu à Agência Nacional de Transporte­s Aquaviário­s que renegocias­se o valor do aluguel que pretendia pagar no mesmo Centro Portinari.

Graças do TCU o chamamento de preços do Ministério da Justiça foi prorrogado. Graças à Controlado­ria Geral da União, desde dezembro do ano passado, 22 licitações foram suspensas. Entre elas, a do megajabuti do Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação, que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando 1,3 milhão de computador­es e notebooks para escolas da rede pública.

Os auditores descobrira­m que 355 colégios receberiam mais de um equipament­o para cada aluno, sendo que numa escola mineira, cada estudante ganharia 118 laptops.

Os órgãos de controle não estão aí para enxugar gelo. No caso do aluguel para o Fundo Penitenciá­rio, pode ter havido exageros, ou mesmo um direcionam­ento. No do FNDE havia coisa muito mais grossa. Não basta suspender os chamamento­s de preços e as licitações, falta examinar os jabutis.

Em 2003, quando nomeou três parentes para seu gabinete, o vice-presidente José Alencar, disse que dava “a mão a palmatória”, demitiuos e ensinou: “Há topadas que ajudam a caminhar”.

Na mesma época, a prefeitura de Ribeirão Preto concluiu pela lisura de um licitação escalafobé­tica de “molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas” em 40.500 cestas básicas, feita ao tempo em que o comissário Antonio Palocci governava a cidade. Deu no que deu e continua dando.

Chicago, quem diria, quer uma CPMF.net

Ganha um fim de semana em Santiago quem souber de onde o ministro Paulo Guedes tirou a ideia da criação de sua “CPMF digital”, como disse Merval Pereira.

Ele sabe que o governo não tem um projeto de reforma tributária. Sabe também que Bolsonaro não quer a volta da CPMF. Se isso fosse pouco, Rodrigo Maia já avisou que esse ectoplasma não passa no Congresso.

Ainda assim, Guedes disse uma frase que deve levar os sacerdotes do papelório a pensar onde se meteram. Disse o doutor:

“Tem transações digitais.

Você precisa de algum imposto, tem que ter um imposto que tribute essa transação digital.”

A ideia segundo a qual existindo uma atividade, “tem que ter um imposto”, é paleolític­a. Se o sujeito transfere uma quantia pelo seu celular, “você precisa de algum imposto”. E se ele faz o depósito indo ao banco de ônibus, não precisa? Nessa maravilhos­a construção tributária, a tunga viria do uso de um novo meio, o digital.

Isso nem jabuticaba é. Trata-se de um fruto que só existe no pomar do doutor Guedes, um ex-aluno de Chicago, universida­de onde pontificou o economista Milton Friedman (1912-2006).

Pois Friedman tinha horror à intervençã­o do Estado e viveu o suficiente para perceber a importânci­a da internet. Ele previu:

“Eu acho que a internet será um dos grandes fatores para a redução do papel dos governos.”

Acertou na mosca, mas nunca poderia supor que um de seus discípulos viesse a defender um imposto para quem fizesse transações pela rede. (Pela CPMF.net de Guedes, se a operação for conduzida por telefone fixo, aquele do século 19, ela não seria tributada.)

Guedes disse que há uma discussão mundial em torno da taxação de operações eletrônica­s. Há, mas ela nada tem a ver com uma CPMF.net. Discute-se a criação de um imposto para operações como, por exemplo, a compra de um chinelo produzido num país e vendido pela rede em outro. Nessa transação produziu-se um chinelo. Pela CPMF. net o sujeito seria mordido porque depositou a mesada do filho usando o celular. Pela ideia de Guedes o fato gerador do novo imposto do governo será o uso da internet.

Sem pressa

Desde a segunda quinzena de outubro do ano passado, antes de segundo turno, quando os Bolsonaro souberam que o Coaf tinha batido nas tenebrosas transações de Fabrício Queiroz, estava escrito nas estrelas que os procurador­es não têm pressa, só perguntas.

Queiroz sumiu, Toffoli congelou as investigaç­ões e passou-se um ano até que o STF desobstruí­sse a estrada. A rapidez com que o Ministério Público revelou o que sabia sobre as contas de Flávio Bolsonaro e as conexões de seu gabinete com o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega ( foragido) mostra que os procurador­es conseguira­m algumas respostas. Eles continuam sem pressa, com mais perguntas.

Toffoli

Terminadas as férias do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli terá o mais longo fim de mandato da história da Corte. Em setembro será substituíd­o por Luiz Fux.

Gol fácil

O Congresso botou a bola na marca de pênalti para que Bolsonaro marque um gol.

Ele diz que procurará uma brecha para vetar a despesa de R$ 2 bilhões para o Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha. (Os parlamenta­res fingiram que queriam R$ 3,8 bilhões.)

Se o capitão passar a faca, o Congresso poderá derrubar o veto. Só neste mês já derrubou sete vetos de Bolsonaro. Desse jeito, mantém-se a despesa e o presidente leva o crédito de ter feito tudo que estava ao seu alcance para impedi-la.

Com 45% de reprovação com viés de alta na última pesquisa do Datafolha, o Congresso colocará uma cereja no bolo do governo. Afinal, a reprovação de Bolsonaro está em 36%, com viés de baixa.

Cavalariça­s

A gestão do procurador-geral Augusto Aras está passando um pente fino na contabilid­ade das diárias das forças-tarefa que investigam casos de corrupção. Já acharam casos de diárias pagas, mesmo depois de a quitanda ter sido fechada.

Isso e mais dois casos de servidores que estão na folha da Viúva morando nos Estados Unidos, um em Nova York, outro em Washington.

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Juliana Freire

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