Palavra do ano, ‘they’ invadiu o singular para ser não binário
rio de janeiro O pronome “they” (eles-elas em inglês) empregado no singular é a palavra do ano do dicionário Merriam-Webster. Refere-se a pessoas que repudiam tanto o gênero masculino quanto o feminino, identificando-se como “não binárias”.
O dicionário não diz que “they” foi a palavra com o maior número de consultas online de 2019. Foi a que mais cresceu: o tráfego gerado pelo pronome subiu 313% em relação ao ano anterior.
É impossível traduzir esse “they” para o português sem trair o espírito da coisa. Nosso idioma neolatino adora palavras com gênero e carrega o masculino e o feminino do singular para o plural.
Mesmo que falte a adesão de outros dicionários importantes, o reconhecimento que o tradicional Merriam-Webster faz do “they” singular (o verbo continua sendo “are”, não “is”) é fruto de uma transformação dramática no modo como o Ocidente compreende o gênero e a sexualidade.
Virar palavra do ano não é um feito que costume estar ao alcance de termo tão onipresente quanto um pronome pessoal em pleno uso, firme em seus oito séculos de idade. O que houve foi que o velho “they” expandiu seus domínios gramaticais para invadir o singular, e isso é um evento raro.
Oimpactogramaticaldeuma mudança social e política, ainda mais em palavra tão básica, não ocorre todo dia. O “they” singular foi dicionarizado porque um número suficiente de pessoas passaram a dizer que assim queriam ser chamadas. E um número maior atendeu.
O pronome não é “pessoal”? Então: os não binários se reservam o direito de dizer como o mundo deve se dirigir às suas pessoas, mesmo que para isso incorram no que ouvidos conservadores classificam como erro de gramática.
“Não há dúvida de que seu uso [do ‘they’ singular] está estabelecido na língua inglesa”, garante o MerriamWebster, que passou a registrar o novato em setembro.
O espírito rebelde de “they” vem de longe. A canção “If You Love Somebody (Set Them Free)”, de Sting, é um exemplo de seu improviso como pronome pessoal singular neutro. A canção é de 1985. O uso, diz o dicionário, tem perto de seis séculos.
O Merriam-Webster destaca a presença crescente do novo “they” em material impresso, redes sociais e conversas. Conta que a deputada americana Pramila Jayapal revelou em abril ser mãe de uma criança não binária que ela trata por “they”, enquanto o cantor inglês Sam Smith anunciou em setembro que quer ser chamado assim.
Além disso, a American Psychological
Association recomendou o pronome como preferível a “he or she” na escrita profissional, quando se tratar de alguém de gênero ignorado ouqueassimqueirasertratado.
Muitos conservadores dizem que não pode: é certo que uma parte do sucesso online da palavra se deve a gente indignada, embora o dicionário não saiba ou não revele os percentuais pró e contra.
Pode-se apostar que grande parte do interesse por “they” é de falantes nem pró nem contra, mas curiosos e confusos com o dinamismo da língua.