Repatriados da China jogam metade dos jogos de equipes da elite nacional
Dos 13 reforços de clubes da Série A no ano, apenas o zagueiro Gil jogou mais de 90% das partidas
são paulo Repatriar jogadores da China foi uma ideia que muitos clubes da elite do futebol brasileiro tiveram para reforçar suas equipes em 2019. A maioria, contudo, acabou frustrada com o rendimento esportivo desses atletas, que pouco jogaram na temporada.
Levantamento da Folha mostra que os 13 reforços provenientes da liga asiática contratados por equipes da Série A do Brasileiro neste ano jogaram, em média, 52% das partidas de suas equipes.
Palmeiras e São Paulo foram os que mais apostaram em repatriados do futebol chinês, com três jogadores cada um.
No caso alviverde, Ricardo Goulart, Ramires e Henrique Dourado chegaram para reforçar o time campeão brasileiro em 2018. Goulart, 28, veio para suprir uma lacuna no ataque. Após três temporadas na China, foi anunciado em janeiro e fez apenas 12 dos 28 jogos do Palmeiras no período em que esteve no Brasil.
Emprestado pelo Guangzhou Evergrande (CHN), retornou à Ásia em maio, depois de sofrer lesão no menisco lateral do joelho direito. Nesta semana, Goulart concluiu o processo de naturalização chinesa e poderá atuar pela seleção do país a partir de 2020.
Com passagem anterior pelo clube e contratado no meio da temporada, o centroavante Henrique Dourado, 30, também esteve no Palmeiras em 28 jogos, mas entrou em campo ainda menos que o meiaatacante: 4 partidas (14%).
O volante Ramires, 32, que depois de três anos e meio no futebol chinês disputou somente 6 dos 37 jogos do
Palmeiras desde sua chegada (16% do total, nenhum por 90 minutos), é o único do trio que seguirá no clube em 2020.
O São Paulo anunciou o retorno do ídolo Hernanes antes do início da temporada. Em 2019, o meia de 34 anos disputou 37 dos 62 jogos (59%), atuando por completo em só 10. Outro que voltou ao Morumbi neste ano foi o atacante Alexandre Pato, 30. Esteve em campo apenas em metade dos 44 compromissos do time.
O atacante Biro-Biro, 25, que já não está mais no São Paulo, foi quem menos participou entre os reforços provenientes da China: 2 partidas de 33 do clube (ou 6% dos jogos).
Pato e Hernanes estão entre os reforços que ganham mais de R$ 1 milhão mensal, assim como Ramires e Diego Tardelli, do Grêmio. O gremista fez 47 dos 67 jogos do tricolor gaúcho, mas só completou os 90 minutos em 6 partidas.
Especialistas em preparação física e fisiologia esportiva apontam uma série de variáveis para o baixo aproveitamento dos jogadores que vêm da liga chinesa. Uma delas é o calendário.
Renato Augusto, que esteve na Copa do Mundo de 2018, disputou todos os jogos do Beijing Gouan no Campeonato Chinês. O meio-campista também defendeu a equipe na Copa da China e na Champions League asiática.
Mesmo com três competições, o brasileiro totalizou 38 aparições no ano. O Flamengo, diante do Liverpool (ING), na final do Mundial de Clubes, chegará ao 74º jogo em 2019.
“O calendário brasileiro é um caso particular. Aqui na minha realidade francesa, a gente faz algo em torno de 50, 55 jogos [por temporada], jogando a Champions League até oitavas ou quartas e a Copa da França entrando já numa fase mais adiantada”, diz Bruno Mazziotti, fisioterapeuta do Paris Saint-Germain (FRA).
Mazziotti foi para a China quando Mano Menezes treinou o Guanghzou Evergande, em 2016. No clube, segundo ele, encontrou estrutura profissional e moderna. E a metodologia de treinos na elite nacional segue padrões europeus, fruto da importação de profissionais de alguns dos principais centros da Europa.
De acordo com o profissional do PSG, não há carga inferior de trabalho no dia a dia de treinos do futebol chinês. A questão que precisa ser discutida é o trabalho feito no retorno desses jogadores ao Brasil.
“Será que estamos trabalhando bem esses atletas na volta deles ao Brasil?”, questiona. “Se o atleta chega na prétemporada, a adaptação é melhor. Quando um time muda de treinador no meio da temporada, a chance de lesão aumenta, porque muda o modelo de trabalho. Há de se ter um entendimento desse retorno e do momento desse retorno.”
O atacante Marinho, 29, que terminou o Brasileiro em alta com o Santos, chegou no meio de 2018 ao Grêmio e teve dificuldade de readaptarse ao futebol brasileiro.
Apesar da mudança de clube em maio deste ano, fez prétemporada no clube gaúcho.
“Cheguei ao Grêmio no meio da temporada, o que foi pior, mas quando tive sequência, voltei a atuar em alto nível como gostaria. No Santos hoje, estou 101%”, afirma à Folha Marinho, que marcou 12 gols em 40 jogos no clube paulista.
Em 2019, a exceção entre os jogadores que retornaram ao Brasil depois de atuarem no futebol chinês foi o zagueiro Gil, do Corinthians.
O defensor de 32 anos chegou em julho ao clube e esteve presente em 35 das 38 partidas da equipe desde então –92% dos jogos, todos por 90 minutos, os melhores índices entre os repatriados da China.
“O Gil fazia treinos extras junto com outro brasileiro lá na China. Então, ele manteve essa condição física num patamar muito maior do que o dos outros”, conta Walmir Cruz, preparador físico que integrou a comissão técnica de Fábio Carille no Corinthians.
Além dos trabalhos à parte do dia a dia do Shandong Luneng, Gil manteve contato direto com Bruno Mazziotti, que trabalhara com o zagueiro no Corinthians e na China. Carille, interessado na contratação do atleta, consultou o profissional para saber mais sobre a condição física de Gil antes de trazê-lo ao clube.
A escolha por um profissional particular não é incomum na rotina de brasileiros que vão para o futebol chinês. Renato Augusto também levou uma pessoa para cuidar de sua recuperação. Elkeson, desde 2013 no país e naturalizado chinês, fez o mesmo.
“A preparação física no Brasil, os controles de recuperação, todos os processos são muito evoluídos aqui. Então o atleta busca um profissional que dê esse suporte a ele, de se sentir mais seguro e confiante. Mas precisa ser muito ordenada, controlada com o que o atleta faz no clube”, afirma Guilherme Rodrigues, coordenador de performance do Monterrey (MEX) e que trabalhou no Shandong Luneng entre 2015 e 2016.