Folha de S.Paulo

Trabalho desigual do The Who deixa contentes os fãs antigos

Primeiro álbum desde 2006, ‘WHO’ foi gravado sem uma banda junta no estúdio

- Thales de Menezes

MÚSICA

WHO **** * The Who. Gravadora: Polydor. Disponível nas plataforma­s digitais

A turnê mundial do The Who, que passou pelo Brasil em 2017, não dava sinais de que o grupo voltaria aos estúdios. Mas sai agora “WHO”, primeirodi­scode inéditas desde 2006. Traz muita coisa boa e alguns deslizes, mas com a cara do The Who.

Os shows em São Paulo e no Rio, há dois anos, foram espetacula­res. Mas quem acompanhou de perto o grupo viu que a coisa estava feia. O cantor Roger Daltrey e o guitarrist­a Pete Townshend se encontrara­m apenas na hora de subir ao palco. No resto do tempo, ficaram longe um do outro.

“WHO”, que sai com 11 faixas, foi gravado sem que Daltrey e Townshend estivessem juntos no estúdio. Além de garantir que tudo soasse como o Who da fase de singles de sucesso, nos anos 1960, o produtor americano Dave Sardy precisou ser o elo comunicant­e entre os dois integrante­s ainda vivos do The Who.

Não que a banda tenha sido algum dia um mar de tranquilid­ade, mesmo quando o baterista Keith Moon (1946-1978) e o baixista John Entwistle (1944-2002) estavam por perto. Mas agora a falta de colaboraçã­o entre Daltrey e Townshend está escancarad­a.

Por isso, “WHO” surpreende. Tem canções para fisgar fãs de qualquer idade. É muito superior a “Endless Wire”, álbum fraquinho de 2006, e pode ser comparado aos dois discos anteriores, lançados há um bom tempo, “Face Dances” (1981) e “It’s Hard” (1982).

Talvez a gravação em partes, sem uma banda junta no estúdio, tenha até colaborado para que o disco soe meio desigual, como se fosse uma coletânea de sucessos, sem uma unidade de estilo. Uma audição remete mais ao The Who dos anos 1960 do que ao dos 1970.

Em sua primeira década, a banda enfileirou hits: “I Can’t Explain”, “My Generation”, “Substitute”, “I Can See for Miles”, “Magic Bus”... Foi assim até 1969. Com o estouro da ópera rock “Tommy”, a banda se transformo­u numa fábrica de álbuns de peso nos anos seguintes:“Who’sNext”,“Quadrophen­ia”, “Who by Numbers”.

Uma brincadeir­a divertida na audição de “WHO” é ver com qual clássico da banda cada nova faixa é parecida. Há palpites óbvios. “Detour”, talvez a música mais impactante da safra, pode ser ouvida depois de “Magic Bus”. Já “Street Song” lembra “Baba O’Riley”.

Nada é mais engraçado do que tentar entender a cabeça de Pete Townshend. Em “My Generation” (1965), clássico do grupo, um verso ficou para a história do rock: “Espero morrer antes de ficar velho”. Esse desabafo juvenil encontra agora ecos em canções novas.

“Rockin’ in Rage”, “Hero Ground Zero” e “I Don’t Wanna Get Wise” falam de decadência, velhice, tristeza. Em seus versos, Townshend expõe como não ter morrido antes de envelhecer pode ter derrubado muito de seu ímpeto roqueiro, mas ainda resta força para compor músicas que levam o rock a um nível esplendoro­so.

Essas canções, e outros bons momentos como “All This Music Must Fade”, soam mais poderosas e naturalmen­te revoltadas do que as tentativas de posicionam­ento político explícito de “Ball and Chain” e “Beads on On String”, duas derrapadas de Townshend.

No balanço final, “WHO” deixa contentes os antigos fãs. Fica difícil saber se a nova turnê, já anunciada, poderá transforma­r em música potente ao vivo essas canções montadas no estúdiocom­oumquebra-cabeça.

 ?? Zanone Fraissat/Folhapress ?? A banda The Who em show no Rock in Rio de 2017
Zanone Fraissat/Folhapress A banda The Who em show no Rock in Rio de 2017

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil