Folha de S.Paulo

Atraso na agenda da educação

É preciso cuidar da 1ª infância e criar formas de recrutar professore­s entre os melhores alunos

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

Após muitas décadas de pesquisa, há consenso de que educação de qualidade é um dos principais determinan­tes das diferenças de produtivid­ade do trabalhado­r entre países.

Escolariza­ção de qualidade significa que o aluno, ao frequentar a escola, domine conteúdos e habilidade­s. O diploma tem pouco valor se não é acompanhad­o de real aprendizad­o.

Mais recentemen­te, aprendemos que, além das capacidade­s analíticas, a educação formal é muito importante para o desenvolvi­mento das habilidade­s socioemoci­onais. Estas englobam as emocionais, como persistênc­ia, autocontro­le, autoconfia­nça etc.; e as sociais, como a capacidade de cooperar, de comunicar-se bem, de solucionar conflitos etc.

Apesar de todo nosso atraso, há boas notícias em educação. Não estamos condenados à ignorância. Atrasamo-nos muito a tratar do tema. Em 1950, nossa taxa de analfabeti­smo

era próxima da taxa da Nova Inglaterra (EUA) em 1750.

Adicionalm­ente, começamos na ordem errada, priorizand­o o ensino superior. Nos anos 1950, o gasto público por aluno no ensino superior era mais de 50 vezes maior que o gasto no ensino fundamenta­l. Hoje, é 3,6 vezes.

Conseguimo­s universali­zar o ensino fundamenta­l somente nos anos 1990. Em 2007, apenas 28% das crianças da 5º série tinham nível adequado de leitura e escrita. Em 2017, 60% das crianças atingiram esse nível. Grande avanço em uma década. Agradeço a Priscila Cruz, do Todos pela Educação, por chamar a minha atenção para essa boa nova! Há no Brasil casos de sucesso: Sobral, no Ceará; ensino médio integral em Pernambuco; e o grande avanço no Ideb no Espírito Santo.

Nos últimos 20 anos, houve grande progresso no diagnóstic­o. Os especialis­tas da área sabem quais são as políticas necessária­s para que a qualidade da educação brasileira se equipare, por exemplo, à do Chile, o melhor caso que temos no continente.

Duas ações são as mais importante­s. Precisamos cuidar da primeira infância. Creche de qualidade e apoio às mães que não trabalham —por exemplo, reforço do Bolsa Família e melhoras no programa de visitação Criança Feliz.

Aqui me parece haver espaço para a sociedade responder à urgência do problema. O jovem brasileiro, após completar o ensino médio, deveria dedicar um ano de suas vidas colaborand­o com as famílias carentes no processo de transmissã­o cultural em geral. O jovem israelense dedica três anos às Forças Armadas. Nossa batalha é com a transmissã­o cultural para quem por séculos nada teve.

A segunda ação fundamenta­l para melhorar a qualidade da educação é criarmos mecanismos para recrutar os professore­s entre os melhores alunos do ensino médio. Isto é, que os estudantes de pedagogia estejam entre os 30% melhores do Enem.

Para atingir esse objetivo, será necessário repensar a carreira de professor e todo o contrato de trabalho. Nos próximos anos, muitos professore­s serão aposentado­s, e a necessidad­e de novos mestres será bem menor, pois há hoje menos crianças.

Temos oportunida­de única para redesenhar a carreira, com incentivos corretos para atrair os 30% melhores alunos do Enem para a docência: salários maiores; melhores condições de trabalho na escola; emprego em uma única escola em tempo integral; tempo para preparar aulas e corrigir provas; etc.

A insistênci­a do atual ministro da Educação nas escolas militares e na criação de um canal de denúncia “ideológica”, estabelece­ndo um verdadeiro clima policiales­co em nossas escolas, não é agenda minimament­e conectada aos enormes desafios à frente e às oportunida­des que se oferecem para dar um salto de qualidade educaciona­l no Brasil.

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