Folha de S.Paulo

FALTA DE ÔNIBUS IMPEDE ALUNOS DE ESTUDAR EM RONDÔNIA

Muitos perderam anos letivos; governo diz que normalizar­á oferta em 2020

- Felipe Corona

Ônibus escolar de Cujubim Grande (RO), 1 dos 2 ainda rodando numa frota de 11; falta de transporte afeta até mil crianças na região rural de Porto Velho desde outubro de 2018

porto velho Desde outubro de 2018, centenas de alunos ribeirinho­s e da zona rural de Porto Velho estão em casa, sem ir à aula, porque não há ônibus escolar e nem voadeiras (pequenas lanchas).

A quantidade é uma incógnita: a prefeitura diz que já foram mil e hoje são 500 nesta situação. Mas outros órgãos estimam um número maior.

Segundo o Sintero (Sindicato dos Trabalhado­res em Educação em Rondônia), são milhares de atingidos em 15 escolas fechadas —algumas atendem 200 alunos. O efeito é em cascata: mesmo quem mora do lado do colégio rural ficou sem aula, pois, como a maioria não consegue chegar, as portas se fecham para todos.

Essas crianças já não haviam completado o ano letivo de 2018; alguns estão sem transporte desde 2017. Com a chegada de dezembro sem solução para o caso, o prefeito Hildon Chaves (PSDB) confirmou que também o ano de 2019 foi perdido para esses alunos.

É o caso de crianças e adolescent­es de Cujubim Grande, a apenas 35 km do centro da capital de Rondônia, Porto Velho. A reportagem havia visitado as crianças no final de junho. Pouca coisa mudou, e a maioria continua sem estudar.

A escola Deigmar Moraes de Souza reabriu as portas no último dia 9. Algumas salas, porém, recebem no máximo seis alunos, onde deveriam ser 40.

André Lucas, 14, terminaria o ensino médio com 17 anos e faria o Enem, em busca do sonho de ser engenheiro civil, como um dos tios. Sem ter transporte que o leve à escola, isso vai demorar a acontecer. “É o jeito, correr atrás do tempo perdido”, lamenta. Ele conseguiu ir para escola apenas 24 dias neste ano.

A esperança da família é que ele volte a estudar em Humaitá (AM), a 200 quilômetro­s dali. “Dói demais ter que deixar meu filho ir para outra cidade, morar com a avó paterna”, diz a mãe, Andréia Carril. “Mas é o futuro dele que está em jogo. Era para ele ir pro primeiro ano do ensino médio, e ele vai começar no sétimo.”

O pai de André é garimpeiro, e a mãe, dona de casa. Quando os dois precisam se ausentar, André e o irmão Aldemir Júnior, 6, ficam com a avó Não há vaga para Aldemir na Deigmar. Vizinho à escola, Auriel

Morais, 8, deveria concluir o terceiro ano do fundamenta­l. Não saiu do segundo. “Comigo [na reabertura, em dezembro], foram seis alunos. Muita gente não consegue vir.”

A mãe, Daiane Tomás, não sabe como tantas aulas serão repostas. “As aulas começaram dia 9, aí no dia 20 param por conta do recesso natalino. Disseram que iam fazer uma reunião para explicar como seria a reposição desses dias, mas até agora, nada.”

Dos 11 ônibus, hoje, há dois. Das três voadeiras, ficaram duas. “Se quebra um ônibus, complica tudo que já está bem difícil. Tem uma menina, pela manhã, que anda 4 km para chegar aqui. O pai vai com ela por um ramal, deixa na beira da estrada, e ela vem sozinha”, disse um servidor da escola que preferiu não dar o nome.

O prazo para resolver o impasse, agosto, não foi cumprido pela prefeitura. A nova promessa é que haverá ônibus suficiente­s a partir de março de 2020, após nova licitação para comprar uma frota própria.

O imbróglio se estende desde 2014, na gestão de Mauro Nazif (PSB), hoje deputado federal, quando o contrato foi interrompi­do e retomado.

Há quatro ações no Ministério Público, com decisões judiciais para o serviço ser reiniciado, mas nada foi cumprido. Até o momento ninguém foi preso ou multado.

Procurada, a prefeitura diz que regulariza­r os ônibus e voadeiras tornou-se tarefa do governo estadual, aludindo à intervençã­o judicial declarada após a Operação Carrossel, da Polícia Federal e da Controlado­ria-Geral da União, em setembro. Já o governo estadual diz que lhe cabe só o serviço de lanchas, regular.

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Beethoven Delano/Folhapress
 ?? Beethoven Delano/Folhapress ?? Aula na escola Deigmar de Souza, em Cujubim Grande, a 35 km de Porto Velho; maioria não pode chegar
Beethoven Delano/Folhapress Aula na escola Deigmar de Souza, em Cujubim Grande, a 35 km de Porto Velho; maioria não pode chegar

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