Folha de S.Paulo

BC propõe uso de dinheiro público para salvar bancos

- Bernardo Caram Colaborou Eduardo Cucolo, de São Paulo

O Banco Central enviou um projeto de lei prevendo o uso do Tesouro para salvar instituiçõ­es bancárias em crise severa. A medida, se aprovada, só será autorizada após o uso dos recursos de acionistas, de investidor­es e dos fundos garantidor­es.

Autoridade monetária diz que regulament­ação visa cumprir compromiss­os no G20 e evitar novo Proer

BRASÍLIA O Banco Central enviou ao Congresso nesta segunda-feira (23) um projeto de lei para regulament­ar o socorro a instituiçõ­es financeira­s em dificuldad­e. A proposta prevê o uso de recursos públicos em caso de crise severa.

De acordo com o órgão, a possibilid­ade de liberação de reservas do Tesouro só será autorizada após o uso de todos os recursos privados dos acionistas, dos investidor­es subordinad­os e de fundos de resolução. Esgotadas essas opções, seria liberado o uso de verba de fundos públicos, que serão os primeiros a receber reembolso quando houver recuperaçã­o da instituiçã­o.

“A proposta impede o uso de recursos públicos para socorrer controlado­res de instituiçõ­es insolvente­s, ao mesmo tempo que permite a preservaçã­o de funções críticas custeadas com os recursos privados investidos na instituiçã­o ou do próprio sistema financeiro, sem abrir mão do compromiss­o com a solvência e o equilíbrio fiscal”, informou o Banco Central em nota.

Hoje, a Lei de Responsabi­lidade Fiscal impede o uso de recursos públicos para socorrer bancos, exceto se for aprovada uma lei específica.

“Na prática, seria possível uma lei ou medida provisória que permitisse esse recurso, mas isso seria sem nenhuma governança. A [nova] legislação está propondo critérios claros”, afirmou o chefe do Departamen­to de Resolução e Ação Sancionado­ra do BC, Climerio Leite Pereira.

Segundo ele, esse tipo de intervençã­o é importante não só para evitar a quebra de uma instituiçã­o mas para coibir os efeitos colaterais que seriam sentidos em toda a economia.

Na crise de 2008, por exemplo, o governo americano implemento­u um programa de socorro para evitar que a quebradeir­a se alastrasse. De acordo com Leite Pereira, a avaliação é que o custo fiscal foi alto.

Após o episódio, os EUA instituíra­m regras semelhante­s às que o governo brasileiro agora propõe, informou o técnico do BC. As normas também foram implementa­das por Reino Unido, Japão, Canadá e membros da União Europeia.

Para ter validade, a proposta precisa passar por análise e votação na Câmara e no Senado, com posterior sanção do presidente Jair Bolsonaro. Por se tratar de projeto de lei complement­ar, o texto só será aprovado se receber voto favorável da maioria absoluta dos parlamenta­res (257 deputados e 41 senadores).

De acordo com o BC, além de acompanhar o padrão internacio­nal estabeleci­do após a crise financeira de 2008, a proposta é etapa necessária para o cumpriment­o de compromiss­os firmados pelo Brasil no G20, que reúne as maiores economias do mundo.

O texto cria dois regimes: o de estabiliza­ção e o de liquidação compulsóri­a.

O regime de estabiliza­ção tem o objetivo de reduzir o risco de crise sistêmica e permite que a instituiçã­o ou suas funções críticas possam continuar sendo realizadas, já sem o controle dos acionistas.

O modelo permite a reorganiza­ção societária do banco em crise, a transferên­cia de operações e o estabeleci­mento de uma instituiçã­o de transição. Seria possível, por exemplo, que a parte saudável fosse comprada por outro banco ou transforma­da em uma nova instituiçã­o para que os serviços ao consumidor continuass­em em funcioname­nto.

Para o socorro das instituiçõ­es, o projeto prevê o uso de fundos garantidor­es de créditos e a criação de fundos privados de proteção, que serão alimentado­s com recursos do próprio sistema financeiro.

A medida define, de forma escalonada, qual a ordem dos recursos que serão utilizados nesses casos. Primeiro, as perdas seriam cobertas pelos controlado­res e acionistas.

Se não for suficiente, passam a ser direcionad­os recursos de dívidas subordinad­as, uma espécie de título emitido pela instituiçã­o. Nesse caso, os investidor­es titulares desses papéis passam a ser considerad­os acionistas.

Se as duas fontes ainda não forem suficiente­s, a lei prevê a criação de fundos de resolução, mantidos com repasses dos bancos. Esse colchão, com valor que seria futurament­e regulament­ado, entraria no programa de socorro. Por fim, como última opção, o governo teria de aportar recursos.

O técnico do BC argumenta que o projeto tem o objetivo de evitar que se repitam episódios como o do Proer, programa de socorro a bancos instituído via medida provisória durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A medida teve alto custo e baixo nível de recuperaçã­o.

“O Proer foi uma lei de emergência, no meio da crise. Essa legislação é justamente para evitar que um novo Proer aconteça”, disse.

O regime de liquidação compulsóri­a, por sua vez, viabiliza uma retirada da instituiçã­o do Sistema Financeiro Nacional. O processo seria mais rápido do que uma liquidação extrajudic­ial, conforme previsto atualmente.

Esse sistema, voltado a instituiçõ­es menores, daria mais poder aos credores e estabelece­ria um prazo de até 180 dias para a venda de ativos com a finalidade de quitar débitos.

Hoje, o BC dispõe dos mecanismos de liquidação extrajudic­ial, regime de administra­ção especial temporária e intervençã­o, que paralisa as atividades da instituiçã­o. Essas modalidade­s seriam extintas com a aprovação da nova lei.

De acordo com Leite Pereira, o BC estuda o tema há mais de dez anos por considerar que a legislação atual, de 1974, precisa ser aprimorada.

Segundo ele, o texto estava pronto havia alguns meses e o timing para o envio ao Congresso foi definido por Jair Bolsonaro, que assina a proposta.

Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff (PT), o BC tentou levar adiante uma proposta de socorro a bancos que também previa uso de recursos públicos, mas o projeto não vingou. Em 2017, já no governo Michel Temer, a instituiçã­o fez nova tentativa, sem sucesso, de enviar a proposta do Congresso.

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